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Silêncio que mata


Já há muito passámos o tempo em que não ser racista era algo louvável, hoje em dia é simplesmente o básico da decência humana. Já não basta dizer “epá tu não és branco, mas eu reflecti sobre o assunto e acho que a tua etnia não é razão suficiente para te odiar e descriminar” e esperar uma palmadinha nas costas




Crónica Aspas Aspas de Teresa Louro

Estudante de UWC

Fui várias vezes surpreendida, ao longo da minha vida, ao notar que vários dos meus colegas não tinham opiniões politico-económico-sociais formadas, fosse por desinformação ou desinteresse. Hoje em dia percebo que a escolha ativa de ser desinformado ou desinteressado é um privilégio que poucos possuem. Os meus colegas maioritariamente brancos e de classe média-alta tinham o privilégio de não querer saber destas coisas chatas, como a política ou os direitos humanos. Aos meus colegas não lhes passava pela cabeça uma realidade em que os seus direitos estariam comprometidos por uma condição que eles não controlam. Os meus colegas apoiavam cegamente o sistema de mérito porque para eles era impensável uma realidade na qual era difícil adquirir capital e poder mesmo que se esforçassem. Os meus colegas não pensavam em racismo institucionalizado, white privilege ou na complexidade dos sistemas de classes. E muitos deles ainda não pensam.


Isto é privilégio.


Não posso falar da experiência de pessoas não-brancas, enquanto mulher caucasiana, no entanto posso escrever este artigo com a tentativa de abordar e dissecar três formas de racismo e possivelmente originar reflexão individual e um sentimento de catarse.


O silêncio dos “inocentes”


“Eu não sou racista.”


“Mas também não és anti-racista.”


Já há muito passámos o tempo em que não ser racista era algo louvável, hoje em dia é simplesmente o básico da decência humana. Já não basta dizer “epá tu não és branco, mas eu reflecti sobre o assunto e acho que a tua etnia não é razão suficiente para te odiar e descriminar” e esperar uma palmadinha nas costas. Começamos um novo e essencial requisito de decência humana: ser-se anti-racista! Há que denunciar e chamar à atenção aqueles que são racistas, mesmo que seja a vossa família, amigos, vizinhos ou até o Papa. É desconfortável? Pensem no desconforto daqueles que sofrem com o racismo sistemático e ponham os níveis de desconforto em perspectiva. O silêncio e a inação também alimentam a opressão e discriminação, porque aqueles que são “abertamente” racistas sabem que fazem parte de um sistema que os protege, mesmo através do silêncio. Se escolhes ser neutro em situações de injustiça estás activamente a escolher e defender o lado do opressor.


Micro-agressões e Macro-consequências


Não acreditar nas experiências de indivíduos de etnia não-branca, apropriação cultural, piadas racistas, falta de representação, nos media e na política, de comunidades não-brancas, minimizar o problema do racismo sistemático dizendo coisas do género: “ Só há uma raça, a raça humana”, “porque é que não podemos só amar-nos todos e deixar o racismo para trás?” , “Há dois lados para TODAS as histórias”, “não sou racista porque tenho amigos pretos”; Isto são alguns exemplos de uma lista longuíssima de acções que compõem o chamado racismo dissimulado e que é considerado socialmente aceitável. Estas acções estão muitas vezes enraizadas na nossa educação de tal maneira que dificulta a sua devida identificação e classificação como sendo racistas. Uma maneira de lutar contra estas tendências é uma reflexão individual periódica, a criação de conversas abertas com família e amigos sobre comportamentos que possam ser considerados racismo encoberto e a educação e compreensão das experiências de indivíduos não-brancos com racismo dissimulado.


O perigo desta forma de racismo é que serve como base e apoio ao racismo institucional e protege aquilo que é para muitos considerado o “verdadeiro” racismo e que não é socialmente aceite; crimes de ódio, genocídio, insultos raciais e discurso de ódio.


Liberdade de expressão e discurso de ódio


O princípio da liberdade de expressão é frequentemente utilizado como desculpa esfarrapada para cuspir insultos raciais e ter opiniões “pouco” convencionais, do género “os brancos são a raça suprema” seguido de “a constituição permite-me discriminar incessantemente certas etnias porque tenho liberdade de expressão.”.


Estas são as mesmas pessoas que propositadamente omitem uma parte importante da constituição, neste caso a Portuguesa, o artigo 13. Passo a citar: “2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.".


Ou seja, a Constituição concede o direito à liberdade de expressão mas este direito não é absoluto ou independente da circunstância. Pode haver pré-censura? Não. No entanto devia haver sempre responsabilização legal de indivíduos e movimentos, abertamente racistas, quando decidem praticar discursos de ódio, e não permitir que se escondam atrás do princípio da liberdade de expressão. Sou fã do paradoxo da tolerância e da filosofia de Karl Popper, “ A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância.”.

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