É fácil compreender que não há só uma resposta para explicar o aparecimento de tantos spin-offs de má qualidade. Por um lado, das alterações climáticas ao terrorismo, passando pelas migrações e pelas pandemias, a maioria dos problemas são atualmente transnacionais.
de João Maria Jonet
Falta gasolina nas áreas de serviço. Faltam condutores dispostos a entregar o stock existente. O Governo, em desespero, quer pôr militares a guiar camiões cisterna. Passam-nos imagens de filas madrugada fora e da cara de Pedro Nuno Santos na cabeça quando ouvimos isto, mas a notícia é de ontem e vem do Reino Unido.
O Governo tenta combater a desinformação online com um apoio aos mecanismos de validação de informação. A oposição grita que vem aí censura e ataca brutalmente a medida. Afinal, está em causa uma medida que nas mãos erradas um poder incalculável, num País que há escassas décadas tinha uma ditadura de direita. Falo de Portugal há 3 meses? Não, isto é sobre a Coreia do Sul esta semana.
O Governo quer aumentar o tamanho do Estado Social. Propõe uma ambiciosa expansão do combate aos grandes problemas infraestruturais e sociais do seu tempo. Levantam-se Senadores conservadores a dizer que este é um plano de transformação socialista que serve os interesses do maior rival estratégico dos Estados Unidos, governado por um Partido Comunista. Passagem do New Deal nos anos 40? Não, foi Mitch McConnell a falar na semana passada sobre Joe Biden.
Muito levam na cabeça as ciências sociais por não terem grande maneira de provar a aplicação prática das suas teorias, mas ao que parece, quanto mais seres humanos experimentam esta coisa estranha que é a democracia liberal, mais dados vamos ganhando para começar a produzir amostragem significativa.
Mas será isto apenas o resultado de pôr muitos humanos em circunstâncias semelhantes? Será que há mesmo reações mais prováveis no funcionamento destas instituições? Ou estaremos só perante um processo de globalização política, em que uniformizamos a nossa cultura política? Serão estas polémicas repetidas um fenómeno semelhante às hamburguerias e pizzarias que se repetem pelas ruas de todas as cidades a que vou?
Sei que esta série de perguntas pode fazer parecer que eu tenho uma resposta, mas na verdade estou-vos só a pedir para pensarem comigo.
Acho que há coisas que podemos ver que resultam claramente de um caldo cultural global, sejam os movimentos negacionistas anti-vacinas ou as estratégias eleitorais de “Red Scare” (demonização da extrema-esquerda reproduzindo um argumentário produzido para a Guerra Fria) que vimos ainda este mês nas eleições alemãs, com resultados positivos para o centro-direita que nelas apostou, como sempre fez com Merkel.
Há outras coisas que podemos perceber que se globalizam porque vamos tendo os mesmos problemas. A falta de stocks no Reino Unido é causada por uma redução da emigração e pela pandemia. Em Portugal, também foi ajudada pelo nosso inverno demográfico, que podia ser combatido com mais emigração. A opção ocidental de fechar a porta a quem quer procurar uma vida melhor deverá causar enormes problemas ao setor primário e secundário, seja por falta de mão de obra para determinados setores ou porque a mão de obra é ilegal e vive em condições escabrosas (há “Odemiras” de Sines até à Estónia).
É, portanto, fácil compreender que não há só uma resposta para explicar o aparecimento de tantos spin-offs de má qualidade. Por um lado, das alterações climáticas ao terrorismo, passando pelas migrações e pelas pandemias, a maioria dos problemas são atualmente transnacionais.
Por outro, anos de cultura massificada vieram produzir um Mundo em que um deputado do Partido Comunista Português critica quem se baseia em “Rambo 3” como fonte segura da intervenção norte-americana no Afeganistão. Para além disso, a cultura de indignação generalizada das redes sociais veio criar mercado para polémicas idiotas sobre alíneas de textos legislativos que noutros tempos apenas três ou quatro constitucionalistas discutiram numa almoçarada no Gambrinus. Como todos temos “direito à nossa opinião”, já ninguém tem tempo para a humildade intelectual ou para reflexão. E isto vale aqui ou na China (ou na Coreia melhor dizendo).
Se este texto serve para alguma coisa para além de pensar alto penso que talvez seja para isto. Quanto mais política internacional seguirem, menos a jeito se põem para repetir episódios. Tal como antes de responder um tweet se vê as respostas para não se repetir uma piada, também era bom que antes de começar uma polémica se fosse pesquisar se a História não teve já espaço para setenta iguais.
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