De Francisco Lemos Araújo
Estamos a caminho das eleições de 10 de março e o ambiente político está agitado.
Quando este texto sair já assistimos a 29 debates entre todas as forças políticas, ficando-nos a faltar apenas o famoso “todos contra todos” no próximo dia 23.
Os partidos lançaram os programas eleitorais e a campanha arranca oficialmente daqui a quatro dias. As entrevistas e declarações multiplicam-se e os comentários também.
As últimas semanas foram (e as próximas serão) monotemáticas.
No entanto, acho que nunca me foi tão difícil definir um tema. Pensei em pegar num problema (habitação, por exemplo) e dissecar as propostas dos partidos. Ver para onde cada um quer levar o país. Pensei também em analisar um só programa de forma mais abrangente.
Cheguei à conclusão de que não quero fazer nada disso. Não que tal não tivesse interesse (pelo contrário), mas porque a minha desilusão com o estado atual da política portuguesa me deixa sem vontade de o fazer. Não me faz sentido estar aqui a discutir as propostas quando considero que existe um problema grave que temos de abordar primeiro.
Ao longo das últimas duas semanas tivemos os famosos debates cujo modelo é simplesmente lamentável.
Estamos mesmo à espera de que em 25 minutos - divididos por dois (ou três, caso seja o João Adelino Faria a moderar) - seja possível ter uma discussão decente sobre o que quer que seja?
Não é possível debater de forma séria um projeto para o país num período de tempo mais curto que muitas entrevistas de emprego. Ficamos condenados aos soundbites, à amostra de papelinhos e a discussões superficiais interrompidas por bocas vindas do outro lado.
Bem sei que dá jeito a alguns que não se explore muito as propostas que defendem ou ainda se descobre que querem o país de há 50 anos, mas enquanto cidadãos temos de exigir mais.
Exigir mais implica não só olhar para o modelo dos debates, mas também para o que se diz (neles e fora deles) e em que focamos a discussão.
Invariavelmente, a resposta a uma pergunta em que se pede para explicar as propostas direcionada a resolver certo problema degenera em ataques ao outro lado. Ataques esses que nunca se limitam ao conteúdo das propostas, mas que fazem um juízo de valor quanto a estas e desvendam um objetivo escondido do adversário.
A direita tem sempre o plano de favorecer os grandes grupos privados (seja em que área for) para depois talvez vir a receber dinheiro desses privados (?). Já a esquerda quer transformar o país na Cuba e na Venezuela da Europa.
Há frases sobre as quais os políticos deveriam pensar antes de abrirem a boca.
Talvez a Iniciativa Liberal evitasse andar a fazer a figura que estão a fazer ao chamar socialista a qualquer partido que pense que se calhar não seria péssima ideia o Estado servir para alguma coisa.
Quanto ao Bloco de Esquerda e o PAN poupavam-nos ao ridículo de carimbarem todas as propostas de partidos à direita (sem exceção) com o selo de retrocesso social.
Que se discordem das medidas eu percebo e acho saudável. Mas a sério que não há a seriedade de pensar que o objetivo que se pretende atingir é o mesmo e que os outros apenas defendem formas diferentes de lá chegar?
A juntar a esta incapacidade de levar o adversário político a sério, temos a parvoíce dos temas a que se dá atenção.
A menos de um mês das eleições, o Partido Socialista decidiu publicar uma fotografia de Pedro Nuno Santos num Five Guys em Bruxelas.
Nesse dia, o Twitter (ou X, como quiserem) preferiu andar a discutir estética de redes sociais ou se já tinha aberto um Five Guys em Portugal em vez de temas (ligeiramente) mais importantes. A situação até poderia ter servido de desculpa para discutir a estratégia para a política ferroviária internacional e quando é que podíamos ir num instante a outras cidades europeias, mas nem isso.
Por fim há ainda o nível zero da política sempre bem representado pelo Chega, com o uso da expressão “prostituta política” por parte de André Ventura e com a deputada Rita Matias a achar que o seu líder-guru teve um início de debate forte por chamar “idiota útil” a Luís Montenegro.
Este tipo de comportamento não é novo e está num nível diferente em relação ao resto, mas apenas é possível porque deixámos que tudo o resto se degradasse.
Parece-me absurdo que o debate nunca seja feito pela positiva e sobre temas que interessam, permitindo às pessoas saberem o que é que os partidos querem fazer com o país.
Vamos parar sempre às boquinhas parvas, ao insulto barato e aos temas irrelevantes. Acabamos sempre no Nós vs. Eles, no “a direita isto” e “a esquerda aquilo”.
Sou uma pessoa politizada, interessada e com vontade de contribuir para o futuro do país, mas confesso que fico desiludido e sem vontade nenhuma de participar se a política que me propõem é esta.
Não acredito em situações irremediáveis nem em fatalismos. Não estamos condenados a
ter uma política desinteressante, que pensa apenas na próxima eleição e que infantiliza os cidadãos.
Mas acho que chegou o momento de pensarmos a sério sobre o que queremos enquanto país.
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