A maioria destes campos é incapaz de acompanhar a tendência de crescimento do número de refugiados. Como efeito, podemos observar a queda de vagas, a sobrelotação dos espaços e as condições desumanas em que as pessoas vivem.
Texto de Marta Dias
Coordenadora de Política
A migração tem sido uma invariável na história da humanidade com um profundo impacto na sociedade europeia. Segundo dados da ONU, em 2019, o número de pessoas forçadas a fugir devido a situações de guerra ou miséria atingiu os 79,5 milhões. Atendendo à conjuntura atual, a União Europeia e os seus Estados-Membros deparam-se com a missão de proteger todas as pessoas que se encontrem em movimento, transição e migração. O novo Pacto para as Migrações e Asilo da União Europeia, apresentado em Bruxelas, é visto como a “última oportunidade” para os 27 assumirem as suas responsabilidades. Porém, será este pacto a solução para a crise que segue sem fim à vista?
O documento agora apresentado visa substituir o Regulamento de Dublin e pretende reestruturar o Sistema Europeu Comum de Asilo (CEAS). Essencialmente, a proposta da Comissão Europeia passa por um “mecanismo de solidariedade” indispensável e permanente, permitindo aos países optar entre receber os candidatos à proteção internacional e auxiliar o seu repatriamento. Todavia, este plano levanta diversas questões de cariz humanitário.
A primeira questão relaciona-se com o novo procedimento de triagem aplicável a todos os nacionais de países terceiros que atravessem a fronteira externa sem autorização. Esta triagem incluirá a identificação, os controlos sanitários e de segurança, a recolha de impressões digitais e o registo na base de dados Eurodac. O rastreio funcionará como um primeiro passo no processo de determinação do estatuto de uma pessoa e o tipo de procedimento a aplicar. Por conseguinte, o procedimento de regresso ao país de origem será imediatamente aplicável, na fronteira, às pessoas cujos pedidos de asilo tenham sido rejeitados. A respeito deste assunto, considero que será complicado estabelecer e verificar pressupostos de não aceitação de entrada de migrantes. Adicionalmente, poderá alegar-se que a obsessão com a proteção das fronteiras e a criminalização da migração produz e perpetua estereótipos em relação às pessoas que procuram asilo. Frequentemente, os métodos aplicados e os estereótipos produzidos repercutem-se na violação de direitos humanos.
O pacto falha igualmente na resposta humanitária aos pedidos de resgate em alto mar ou de socorro em situações de manifesto perigo. Este ano, o aumento do número de naufrágios ignorados no Mediterrâneo resultou na morte de mais 450 pessoas. Dados apresentados pelo Conselho da Europa revelam que atualmente diversos Estados-Membros se recusam a responder a pedidos de auxílio, do mesmo modo que proíbem o trabalho das organizações não-governamentais que se dedicam ao resgate de embarcações em risco. As estatísticas apontam sobretudo para a necessidade de uma abordagem humana, ponderada e abrangente no que se refere à realidade das deslocações. Como Ursula von der Leyen alega, “salvar vidas no mar não é facultativo”.
Por fim, no seu formato atual, o pacto não atende à falta de condições dos milhares de pessoas que permanecem em campos de refugiados. A maioria destes campos é incapaz de acompanhar a tendência de crescimento do número de refugiados. Como efeito, podemos observar a queda de vagas, a sobrelotação dos espaços e as condições desumanas em que as pessoas vivem. Uma alternativa às medidas impostas seria a o investimento e a criação áreas onde as pessoas pudessem ficar enquanto aguardam pela determinação do seu estatuto.
No fundo, o novo Pacto para as Migrações e Asilo é uma ferramenta como as outras, e não a exceção que deveria ser. A introdução de uma gestão robusta das fronteiras externas e uma política de regresso eficaz demonstra a falta de solidariedade e generosidade para com aqueles que são forçados a abandonar as suas casas devido a guerras, conflitos e perseguições. A ideia concebida de que a generalidade das pessoas que estão na UE de forma irregular estão a abusar do nosso sistema, ocupa grande parte do discurso dos europeus. Em última análise, a comunidade europeia prova ser incapaz, ano após ano, de garantir a paz e o respeito pelos direitos humanos.
Marta Dias
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