A questão mais relevante aqui é a forma como o fazem: no Porto, talvez por ser organizada directamente pelo município, há uma preocupação genuína com a ligação da cidade à literatura
de António Vaz Pato
Este fim-de-semana chegam ao fim as feiras do livro nas cidades do Porto e Lisboa. Apesar das restrições sanitárias, a afluência tem sido, segundo alguns livreiros e editores, bastante positiva. As dificuldades do sector, contudo, não se reflectem no número de visitantes das feiras. A pandemia tem adensado os obstáculos neste meio, que luta neste momento pela sobrevivência, em especial as livrarias independentes. É um cenário que se estende a muitas áreas culturais, sobretudo aquelas que dependem do público para desenvolverem a sua actividade.
Perante este panorama, já conhecido e discutido sobejas vezes, inclusivamente neste jornal, não consigo evitar comparar as diferenças notórias na atitude e na imagem da Feira do Livro de Lisboa e da sua congénere na Cidade Invicta. Vivendo em Lisboa desde sempre, a Feira do Livro de cá faz parte da minha infância e visito-a todos os anos desde que me lembro ser gente. No Porto, só tive oportunidade de a conhecer em duas edições, a última delas no ano passado. Embora a minha amostra possa não ser, à partida, equiparável, penso que seja suficiente para chamar a atenção dos leitores para dois ou três aspectos.
Em primeiro lugar, o destaque reservado às livrarias independentes. As feiras não são feitas apenas de bancas de editoras. As livrarias são também uma parte muito importante, cada uma com a sua seleção de livros, algumas delas incluindo edições próprias e únicas. No Porto, os jardins do Palácio de Cristal oferecem um espaço visível a livrarias como a Flaneur, a Poetria ou a Utopia, celebrando o rico legado literário da cidade. Em Lisboa, as bancas mais pequenas são ofuscadas pelos pavilhões das grandes editoras, que monopolizam todo o protagonismo.
Segundo detalhe: comparemos a programação cultural de ambas. No Porto, o calendário de eventos é claro e simples , dando foco a sessões literárias, conversas, concertos e cinema. Para além disso, os organizadores definem um tema - o deste ano é “Herborizar”, - e uma figura literária celebrada à volta do mesmo - Júlio Dinis, na edição presente. Por seu turno, em Lisboa, o facto de não ser construída à volta de um tema específico torna o programa confuso e, atrevo-me a dizer, repetitivo. O calendário é preenchido principalmente por sessões de autógrafos e apresentações de livros, chutando para um canto diversos eventos culturais que poderiam apoiar de forma mais explícita outros sectores artísticos em estreita ligação com a literatura.
Ninguém nega a importância de ambas as feiras na promoção do livro e da leitura. A questão mais relevante aqui é a forma como o fazem: no Porto, talvez por ser organizada directamente pelo município, há uma preocupação genuína com a ligação da cidade à literatura (o Porto tem uma herança muito rica neste âmbito, notoriamente do período romântico) e aos seus espaços culturais. Em Lisboa, a organização está a cargo da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, e, a meu ver, necessita urgentemente de um critério, de uma direção mais clara, no que diz respeito à sua responsabilidade como evento de promoção cultural. Neste momento, como está, parece mais um evento feito para a fotografia, para o espectáculo das aparências. Muito poderá aprender com a autenticidade da sua irmã nortenha. Fica a sugestão.
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