O salário mínimo tem sido um tema na ordem do dia em Portugal. Mas este assunto não tem sido discutido apenas dentro de portas.
de Tiago Fontez
Numa União Europeia de 27 Estados-membros, 21 têm salário mínimo definido por lei – um Salário Mínimo estatutário - enquanto Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália, Suécia, definem os salários, e até mesmo os valores mínimos destes, através de negociação colectiva – Salários acordados colectivamente. A disparidade salarial é grande, sendo que o montante salarial mínimo vai de 332 euros na Bulgária, aos 2202 euros no Luxemburgo. Tendo em conta os contrastes desta realidade, esta questão tem sido debatida no seio da própria UE.
Em 2019, no rescaldo da proclamação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, texto não vinculativo - que afirma no artigo 6º: “Os trabalhadores têm direito a um salário justo que lhes garanta um nível de vida decente” - o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que “insta a Comissão Europeia a apresentar um instrumento jurídico que garanta que todos os trabalhadores na União tenham um salário mínimo justo” – no ponto 30 da resolução.
Em 2020, o Parlamento Europeu aprova um relatório onde enfatiza que a directiva relativa aos salários mínimos deveria “(…) contribuir para a eliminar a pobreza no trabalho e promover a negociação colectiva, na linha das tradições nacionais e no devido respeito da autonomia dos parceiros sociais e do bom funcionamento dos modelos de negociação colectiva” – ponto 18 do relatório.
Ainda em 2020, e já após o discurso do Estado da União de Ursula von der Leyen, onde a mesma se comprometeu a apresentar “uma proposta legal para apoiar os Estados-membros a estabelecer um quadro para salários mínimos”, a Comissão Europeia publica a Proposta de Directiva relativa a salários mínimos adequados na União Europeia.
Já em Novembro de 2021, o Parlamento Europeu aprovou o inicio das negociações com o Conselho com vista a chegar a um acordo sobre a proposta para assegurar um salario mínimo adequado, após a aprovação do texto da comissão Parlamentar do Emprego e dos Assuntos Sociais, afirmando que: “o salário mínimo deve assegurar aos trabalhadores um nível de vida decente; deve ser reforçada a negociação colectiva; deve ser respeitada as prerrogativas nacionais e a autonomia dos parceiros sociais para determinar os salários”.
De facto, o salário mínimo pode ser uma importante ferramenta na definição das condições de vida dos trabalhadores. Basta ter em conta a realidade portuguesa para perceber que a instituição do salário mínimo nacional, uma das conquistas do 25 de Abril, conseguiu abranger cerca de metade dos trabalhadores em Portugal, impulsionando igualmente muitos outros salários.
Para além disso, a contratação colectiva, contando com a forte presença dos sindicatos de trabalhadores, sempre foi um meio indispensável na resolução de conflitos laborais, e na melhoria de condições de trabalho, uma vez que esta não espera pela lei para regular sobre certas situações que não constam na lei.
Não seria descabido avaliar a qualidade de vida da sociedade e a sua evolução tendo por base as condições laborais. Por outro lado, olhar para a UE como elemento promotor de melhorias das condições laborais seria apenas fruto de ingenuidade, duma mente mais inconsciente, um acto de sobranceria, numa cabeça, dita, mais informada.
Não podemos esquecer que a contratação colectiva foi mais combatida, e até mesmo desmantelada, num período em que essa agressão foi patrocinada pela UE, parte integrante da famosa Troika. Sendo assim, considerando uma medida que vem da UE e que influi sobre o mundo do trabalho, pode ser apenas encarada como um Cavalo de Tróia. Este facto está patente em todo o plano de acção de aprovação da Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a salários mínimos adequados na União Europeia.
Desde o primeiro momento que a Comissão Europeia admitiu dificuldades nas negociações com o Conselho Europeu, uma vez que se chegou a falar na fixação de valores que, em certos casos, iriam reflectir um retrocesso salarial para muitos Estados-membros, já que as discrepâncias salariais nos países da UE são enormes. Por esta razão, optou-se por fixar “indicadores para garantir a qualidade de vida decente aos trabalhadores”.
Além do mais, observamos que a definição de critérios para a fixação do valor do Salário Mínimo Nacional é competência dos Estados-membros, porém, a Proposta de Directiva é contrária a tal competência, pois enumera um conjunto de critérios a ter em conta para a definição do Salário Mínimo. Os critérios apresentados como relevantes para a fixação do Salário Mínimo são a produtividade, a competitividade, a evolução dos salários ou do mercado de trabalho e das condições macroeconómicas. Nas negociações da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais (EMPL) é incluído no articulado os referenciais de 60% da remuneração bruta mediana e de 50% da remuneração bruta média. Estes critérios condicionam e limitam a valorização do salário mínimo e dos restantes salários, acabando por desvalorizar o papel destes como elemento dinamizador da economia. Vejamos, o aumento dos salários é uma medida que aumenta o poder de compra, que por sua vez estimula o consumo. Os referenciais colocados também não ajudam na valorização dos salários.
De acordo com a avaliação de impacto da Comissão Europeia, Portugal cumpre os critérios estabelecidos, e, assim, estaríamos a considerar que o valor do Salário Mínimo Nacional é adequado, algo que a experiência quotidiana comprova não ser uma realidade quando existe demasiado mês para tão pouco salário.
Em suma, a serem aplicadas as propostas existentes, mais rapidamente se revelarão uma âncora à evolução das condições salariais dos Estados-membros, podendo, inclusive, estimular modelos de baixos salários. O desenvolvimento de tais propostas, seguindo o curso que estão a tomar, pode vir a ser uma arma para o retrocesso de conquistas laborais, nivelando para baixo valores que outrora foram conquistados. Por agora, apesar da tentativa, não foi possível a fixação de valores, o que poderia vir a ser ainda mais nefasto numa UE desigual, que procuraria, a bem dos critérios adotados, nivelar por baixo ao invés de nivelar por cima. Contudo, foram introduzidas propostas, que limitariam a negociação colectiva que os órgãos da UE dizem tanto querer defender. E como já dei a entender, a limitação vai ter como alvo o trabalhador, a parte mais fraca da relação laboral.
É importante perceber a diferença do significado do salário numa relação laboral. Para o trabalhador, o salário é o seu meio de sustento, a sua sobrevivência; ao passo que para a entidade patronal, o salário é um custo de produção, que quanto mais baixo for, mais aumentará o seu potencial de lucro.
A União Europeia e os seus órgãos continuam a querer minimizar a Europa que um dia será apenas e só dos Trabalhadores. Até lá, é continuar a consciencializar, a Lutar e a Resistir!
Um Bem Haja a todos os Trabalhadores!
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