Existe um ponto extremamente relevante sobre Filomena Cautela e a sua revolução da televisão portuguesa: É uma mulher na comédia. Mais que habituada a que lhe perguntem “como é ser uma mulher na comédia?”, a Filomena encolhe os ombros, porque de certa forma não se considera comediante
Crónica de Maria Madalena Freire
Licenciada em Ciências da Comunicação, NOVA-FCSH
Desde os Morangos com Açúcar à Eurovisão, algo se manteve constante na carreira de Filomena Cautela: a sua capacidade de ser uma grande comunicadora, mas discreta. Em todo o meu percurso da licenciatura em Ciências da Comunicação, que curiosamente termina hoje, sempre nos aconselharam a falar, a destacarmo-nos, a expor as nossas ideias, a debater, a ouvir o máximo de opiniões possíveis e adquirir o mais diverso conhecimento. Ou seja, ser Teresa Guilherme e Ricardo Araújo Pereira ao mesmo tempo. Parece proeza, mas o mundo profissional da comunicação, seja em que área específica for, pede-nos proezas a troco de reconhecimento diminuto.
Ora Filomena Cautela, apesar de ter estado onze anos no 5 para a meia noite como apresentadora, nunca foi nem Teresa Guilherme, nem Ricardo Araújo Pereira, nem os dois juntos. Foi, meramente, Filomena Cautela. Sim, já se encontra num patamar que é referência dela própria, não necessita de comparações para exemplificar o fruto do seu trabalho. Como é lógico, apresentar a Eurovisão trouxe-lhe muito reconhecimento a nível nacional, mas Filomena já tinha agarrado num público específico, o adepto afinco das noites de quinta feira. Digno de realce foi a sua capacidade de perguntas incómodas, sem dar ar inconveniente, arrancando verdades aos seus convidados, sem eles saberem como. A isto se junta a sua destreza em tornar convidados um pouco ou tanto enfadonhos em estrelas com luz própria e não só reflexo de holofote de estúdio. O seu caráter honesto, desenrascado, lúdico agarra qualquer jovem atento.
Acompanhou, desde sempre, a velocidade com que as necessidades dos millennials e da geração z foram evoluindo e variando, resultando daí um programa televisivo português, que dá à hora das telenovelas sagradas, que perdurou ao longo do tempo. Isto e não só: os seus convidados políticos, músicos, escritores, actores, realizadores, youtubers pertencem a toda uma panóplia nacional, muitas vezes negligenciada, que se esforça para a produção do melhor conteúdo possível. Filomena agarra em todos esses trabalhos, expõe-nos, valoriza-os e publicita-os, de uma forma mais caricata do que qualquer apresentador ou entrevistador do país. Filomena não se preocupa se o seu convidado namora e com quem, mas preocupa-se com a necessidade, não sabida, do seu público em ter Assunção Cristas a ler um conto erótico da Blaya, de ter as irmãs Mortágua a jogar o “preferias”, de ter uma batalha de piadas secas com Rui Rio, de medir se Maria Cerqueira Gomes é beta ou guna - tudo aquilo que tem relevância para o futuro da nossa geração e do nosso país. Como havia eu de votar, em tempos de eleição, se não soubesse como Cristas entoa a palavra "mamilos", se Rui Rio se aguenta sem rir com piadas secas ou se Joana Mortágua preferia dar banho à Merkl ou jantar todos os dias com o José Sócrates?
Somando tudo isto, existe um ponto extremamente relevante sobre Filomena Cautela e a sua revolução da televisão portuguesa. É uma mulher na comédia. Mais que habituada a que lhe perguntem “como é ser uma mulher na comédia?”, a Filomena encolhe os ombros, porque de certa forma não se considera comediante, porém recai sempre nessa categoria. Apresentar-se com o seu intelecto comunicador e com a sua personalidade cativante e nada mais, é quebrar barreiras no mundo da apresentação televisiva que pede por mulheres bonitas, arranjadas, que não podem ter cunho em qualquer decisão no que toca a conteúdo televisivo. Mas Filomena foi dando o seu cunho, apresentando-se como é, sem ir além do que criava em frente às câmaras.
Agora, despede-se do 5. “Terá proposta da TVI? Irá para a SIC? Vai desaparecer? Vai casar?” estas são as questões que todos colocam após a notícia. Não necessito de resposta; sei que, independentemente do seu futuro, Filomena voltará. Filomena revolucionará. Filomena continuará a construir todo um caminho para futuras comunicadoras, como eu
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