de João Campos
2016 foi há 8 anos. França, o país recordado por nos eliminar de grandes competições em 1984, em 2000 e em 2006, nesse ano bateu de frente contra “Os Navegadores” naquela saudosa cidade também portuguesa, Paris.
Desde aí o registo contra os gauleses voltou a ser pouco famoso com dois empates e uma derrota.
Contudo, um pouco à imagem de Inglaterra, esta equipa francesa não tem convencido para a qualidade que dispõe. É uma seleção com um misto de experiência e juventude,lideradas pelo melhor jogador da atualidade, e está nas mãos de um selecionador que potencia pouco o que tem.
Dia 5 de junho foi um dia bom de futebol no Velho Continente. Tivemos a final antecipada do Euro às 17:00, com a despedida de um mestre do futebol, Toni Kroos, e a seguir fomos a este confronto Portugal – França que também já se figura como um clássico.
Martinez levou o mesmo 11 da Eslovénia, mantendo a fórmula e o esquema tático que melhor se adequa a nós. O jogo previa-se mais aberto, uma vez que França pressionaria mias alto, e assim foi.
Os primeiros 15 minutos Portugal esteve claramente por cima, com mais bola, domínio efetivo do jogo e tendo capacidade de sair da boa pressão francesa, evidenciando os bons pés que temos nas zonas mais recuadas da nossa equipa.
Com o tempo França foi equilibrando o jogo e ganhou iniciativa. Em remates nenhuma equipa se destacou, mas em posse Portugal esteve por cima. A verdade é que o jogo foi razoavelmente bom e é difícil dizer que uma equipa saiu por cima da outra. Ambas criaram oportunidades e foram competentes, quer na construção e saídas quer na transição defensiva.
Fui crítico em jogos anteriores pela forma pouco inteligente com que Martinez mexia na equipa, dando um pouco a entender que as substituições estavam pensadas a priori e que não aconteciam com base no que o jogo necessitava.
Desta vez foi diferente: o selecionador tirou um Bruno apagado pelo Francisco e trocou Cancelo pelo Nélson Semedo, dando frescura e estímulo ao lado direito de Portugal que estava bem menos dinâmico que a dupla Nuno Mendes e Rafael Leão.
Para terminar as substituições, a mexida de Palhinha, que fez um bom jogo, teve sentido na ótica do cansaço que o jogador aparentou, no entanto, a entrada de Félix acabou por se verificar falhada.
Sou benfiquista e um grande fã daquela época de Bruno Lage, gosto do Félix e sei que ele pode ainda dar coisas bonitas ao futebol, mas a forma como ele entrou começa a se tornar uma imagem de marca: um jogador com pouca vontade sem bola e que psicologicamente nem parece estar a 100%.
Nada disto tem que ver com o penalty falhado que acontece a todos. Para contrastar, não percebo porque Diogo Jota permaneceu no banco quando, a meu ver, devia ter sido titular pelo que foi fazendo no torneio, mas isso é outro debate a que já lá vamos.
Nota positiva para o jogo do Nuno Mendes. Um colosso físico que consegue aliar grandes picos de sprint com e sem bola, uma enorme capacidade de arranque e energia inesgotável. Capacidade de sair da pressão, decide bem, fazendo quase sempre bom uso das suas características naturais. Fica-me na memória aquele arranque com bola algures ali pelos 103 minutos como se tivéssemos no início do jogo.
Vitinha faz mais um bom jogo. Numa seleção que carregou sempre as esperanças da construção e ligação defesa-ataque em figuras mais óbvias como Bruno e Bernardo, Vitinha assumiu claramente esse papel ao longo de um torneio onde havia quem tivesse dúvidas que o mesmo podia ser titular, depois da grande época que fez pelo PSG.
Vai buscar a bola a zonas tipicamente mais recuadas, sempre com olhos nos colegas e onde pode soltar um passe seguro, mas oportuno, ou então partir para um drible, procurando sempre proteger a bola.
Nestes apontamentos individuais vale a pena referir o Bernardo, não por ter achado que tenha feito um jogo espetacular, mas, ao contrário do que muitos pintam, o Bernardo não ser só esta ideia de 10 que trata bem a bola.
Ontm foi mais um jogo de sacrífico na ação defensiva perto ou longe da bola, e ele é o jogador que todos os treinadores querem ter: a saber o que fazer com bola, mas também com capacidade de entender o jogo e as instruções que lhe são dadas nos momentos sem bola.
Depois corre e corre bem, por isso é que se aguenta minutos e minutos épocas inteiras a correr mais que os outros quase sempre. Vale a pena ter em atenção este trabalho na hora de avaliar, até porque ouvi ao longo do torneio algumas avaliações, a meu ver, injustas.
As duas últimas notas finais são para os velhotes, começando pelo assunto mais difícil: o Cristiano.
Depois de uma fase de grupos fraca e um jogo com a Eslovénia de monopólio de livres e pouco mais, começa a ser muito difícil compreender esta relação entre o Ronaldo e a Seleção.
Há uma espiral tóxica, sobretudo face a adeptos mais novos – curiosamente aqueles que cresceram a vê-lo brilhar – que começa a aparecer por haver uma sensação que a equipa não dá mais porque o Cristiano, não só já não acompanha a qualidade que temos, como, por vezes, permanece nesta loucura de querer assumir responsabilidades que já ninguém acredita que ele é capaz.
No Twitter alguém comparou o que está a acontecer com o nosso melhor jogador de todos os tempos ao filme do “Good Bye, Lenin” e é um pouco isso: o muro já caiu, os tempos mudaram e alguém tem de lhe contar.
Ser titular, quando há outras opções, foi sempre já uma situação algo benevolente para com ele. Ser sempre titular e jogar todos os minutos, quando o rendimento não corresponde, é entrar noutro patamar.
Deixá-lo a bater todos os livres – de perto e de longe, da esquerda ou da direita - quando ele não é claramente o nosso melhor marcador, é insistir numa relação tóxica.
Eu, como tantos outros, que cresci a vê-lo em Manchester e em Madrid, onde torci por ele tantas vezes, custa-me muito ver o que estamos a fazer com ele e ele connosco.
Depois o Pepe. Faltam-me palavras para descrever o quão feliz temos sido com ele de quinas ao peito. Aos 41 anos prova que é possível continuar a acrescentar à equipa, ser acarinhado por isso, e correr o jogo todo como se nada fosse.
Lembremos o lance já no prolongamento em que tenta aguentar a velocidade do avançado francês num esforço brutal, acompanha sempre, acaba por perder terreno num bom drible, recupera dentro da área, corta limpinho de forma imperial e no fim a celebração como se de um golo se tratasse.
Foi um jogo de cortes nevrálgicos como nos lembramos tão bem em 2016 e noutras competições. A mim inspira-me esta dedicação nos momentos-chave e, diga-se sem medos, esta portugalidade de um homem que nasceu do outro lado do Atlântico e vai deixar muitas saudades quando se retirar da seleção onde já é o 3º mais internacional de sempre por Portugal
E no fim é isto. Vamos para casa com um jogo relativamente bem conseguido, para destoar de outros onde ficámos claramente aquém do que se espera de nós.
Este jogo fez lembrar o Portugal do antigamente, onde nos batíamos de igual contra os grandes europeus, mas lá acabávamos por perder orgulhosamente.
Agora já não nos contentamos com isso, mas fica, apesar de tudo, uma melhor sensação do que se tivéssemos ficado pelo caminho contra a Eslovénia nos igualmente imprevisíveis penaltis.
Agora é rumo ao Mundial 2026 onde temos de assumir novamente o favoritismo, até porque se calhar é a última oportunidade de qualidade desta geração de ouro.
É hora da Federação pensar bem, refletir se o caminho que temos feito é o que faz sentido e, se não, mudar o que estiver para mudar rumo ao Mundial.
Sobre os Euros: teremos sempre Paris.
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