Falta de qualidade na investigação, tempestades em copos de água, superficialidade na preparação, ciclos mediáticos intermináveis e um constante foco numa abordagem que sensacionaliza a irrelevância em detrimento do conteúdo. Seguir notícias relacionadas com política em Portugal exaspera qualquer um e a cobertura de qualquer evento político (principalmente internacional) é de tal forma amadora que não pude deixar de escrever sobre isto quando lançamos uma plataforma em que planeio combater com todas as minhas forças este problema, pois no fim do dia é um perigo tão grande para a democracia a imprensa não ser livre como não ser boa a informar.
O problema começa com a sede por notícias, esta insaciável vontade de encher páginas de jornais diários e 24h de programação noticiosa que aflige a nossa sociedade e tantas outras por esse Mundo fora. Isto a juntar ao vício pelo direto e à generalizada falta de qualidade dos jornalistas para analisarem criticamente e acrescentarem informação, no ecrã ou em papel, os eventos que estão a reportar leva-nos a cair neste ciclo de mediocridade habilmente aproveitado pelos responsáveis políticos, que não só podem andar relativamente descansados em relação aos esqueletos que tenham no armário (basta ver o que demora para descobrir que alguém mentiu sobre as qualificações académicas) como podem fazer uso desta ânsia pela notícia que não existe para venderem as suas narrativas e conseguirem publicidade gratuita. Isto é especialmente verdade para quem está no governo, dada a obsessão jornalística com o prestígio das instituições, permitindo a S. Bento dominar a narrativa, com diretos constantes em conferências de imprensa irrelevantes, em deslocações ministeriais a feiras temáticas ou em declarações do Primeiro-Ministro sobre a qualidade de produtos agrícolas. Porque colecionar citações é muito mais fácil do que fazer o trabalho de casa das matérias que estão por detrás destas iniciativas, é muito a isto que se resume o nosso jornalismo político e é essa a fonte da minha maior frustração. Basta ver a análise a remodelações ministeriais para ver que há 80 artigos em que amigos e conhecidos dos novos membros do governo e os próprios se pronunciam sobre o caráter dos governantes que vão ser empossados e cerca de 4 artigos focados nas capacidades e na visão que estes novos ministros e secretários de estado têm para assumir funções.
O problema é mesmo este, os jornalistas ou não têm preparação para fazer análise, ou não têm meios para fazer análise ou pior normalmente não têm nenhum dos dois. Para além disso as empresas que controlam os media, interessadas em fazer dinheiro sem ter de puxar muito pela limitada cabeça, direcionam as redações para os temas mais supérfluos possíveis, ou então forçam-nas a dedicar dias a histórias que mereciam 5 minutos, seja por falta de conteúdo ou de capacidade para o produzir.
No jornalismo escrito a nossa imprensa nem difere muito da dos outros países, combatendo a falta de notícias com colunas de opinião e seguindo o padrão internacional de fazer pouca ou nenhuma investigação substantiva ou de explicar com qualidade fenómenos complexos, sinal da falta de pujança financeira do setor. Atualmente só jornais como o Washington Post, financiados por bilionários bem intencionados, é que conseguem ter pessoas suficientes para fazer investigação de qualidade, e assim ter como se exige, o mundo político em cheque. Na nossa imprensa escrita, não falta necessariamente qualidade, mas sim meios para fazer jornalismo de valor. Exigia-se também, que se se vão escrever tantas colunas de opinião, que haja alguma triagem, pois a quantidade de artigos com erros graves, escritos por pessoas que não sabem do que falam (principalmente ao nível da política internacional) é assustadora. Tal como é a maneira como os artigos são muitas vezes escritos, sem que as conclusões tenham de se basear em factos, sem comparações pertinentes ou em dados estatísticos, mas sustentadas no "feeling" de quem escreve, conferindo uma ilegitimidade intrínseca a muito do que se escreve no nosso país, principalmente em jornais altamente ideológicos.
Apesar disto é mesmo na televisão onde está a desgraça. Se num país com 320 milhões de pessoas o formato de canais a passar notícias 24h ainda podia fazer sentido (e mesmo assim basta ver duas horas de CNN, MSNBC ou Fox News para perceber que não há notícias num dia para fazer três telejornais nem nos EUA) em Portugal esta ambição tem tanto de irrealista como de disparatada. À inevitabilidade de não conseguir ter notícias suficientes a televisão americana respondeu com opinião, toneladas de opinião, chegando a ser caricato ver a quantidade de comentadores que se conseguem por à volta das mesas dos estúdios para comentar o mais recente tweet presidencial. Autênticos combates de boxe, estes "debates" em estúdio não são muito diferentes dos programas de análise futebolística em Portugal, sendo a falta de moderação e o excesso de vozes uma característica comum que impede que alguma coisa de útil passe para o telespectador. Em Portugal, continuamos a insistir em passar notícias em "loop", passando a informação política o mais rápida e sucintamente possível para poder dedicar 30 minutos a futebol, dos quais 5 terão de ser para o mais recente penteado de Cristiano Ronaldo, E se a queixa do futebol é comum e óbvia, igualmente importante seria exigir que um jornalista enviado para fazer um direto na Assembleia da República esteja preparado para fazer perguntas substantivas para além de "foi muito cansativo elaborar este Orçamento?” e que em estúdio haja comentadores (sim, usei plural, só para o caso de a SIC não saber que existem mais no Mundo para além de José Gomes Ferreira) especializados nas matérias, preferencialmente vindos da academia e da sociedade civil e não como é norma, das próprias redações, cujas limitações ao nível do domínio de conteúdos são demasiado evidentes para terem credibilidade argumentativa. A isto se junta a necessidade de termos mais programas em que pessoas bem preparadas fazem seleção de notícias separando o essencial do trivial. E isto não quer dizer ter ex-líderes partidários a mexericar em horário nobre, mas sim ter perspetivas diferentes das pré-definidas pelas redações do que é que se passa de importante no Mundo.
Chamarem-se o quarto poder é muito giro e não há dúvida que é verdade, agora é preciso saber que com poder vem responsabilidade. Responsabilidade de informar bem, de oferecer maneiras diferentes de olhar para as questões, de procurar o que não é óbvio e de se manter vigilante em relação aos abusos ou transgressões dos outros poderes. Não podia concordar mais com o lema do Washington Post "democracy dies in darkness" e olhando para a maneira como se tem feito jornalismo neste país não há dúvida que, apesar das luzes florescentes dos estúdios, isto anda muito escuro. Vamos ver o que é que conseguimos fazer para mudar isto no CRÓNICO.
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