A violência é cometida por poucos porque as massas desviam o olhar. A verdadeira batalha não está contra estes poucos, mas sim contra o facto de as massas desviarem o olhar - nunca é pela violência que se sensibiliza a população para uma causa.
Crónica de João Albuquerque Reis
Estudante de Gestão na NOVA SBE
Como fiz nos outros textos aqui publicados, vou desenhar mais um paralelo entre acontecimentos históricos e o presente, para que possamos aprender com os que já vieram; pois, apesar de muito avançados, não avançamos assim tanto. Ora bem, que irei eu buscar ao passado? Todo este tema da morte do inocente George Floyd às mãos de um “agente da polícia” relembra-me a luta dos direitos civis dos anos 60. Muitas vezes são citados discursos do inesquecível, irrepetível e inegável Martin Luther King. No
entanto, quem me vem mais à cabeça com tudo isto é o único e memorável Malcolm X (Malcolm Little de nascimento, no entanto como Little era o nome que seus antepassados escravos teriam adotado, marcava como X este seu desconhecimento da sua real herança).
Malcolm X viu, desde sempre, a sua vida a ser destruída pela injustiça e pela segregação social. Ao contrário de Luther King, filho de um reverendo e que teve um percurso mais convencional, não negando nunca os obstáculos que qualquer indivíduo negro sofria, Malcolm ficou sem pai muito cedo, segundo Malcolm, por um homicídio racial. A sua mãe ficou encarregue da educação de todos os seus filhos. Levada à loucura por inúmeros fatores, Malcolm, apesar de claramente dotado, abandonou o liceu e acompanhou a irmã para a cidade. Foi aqui que viu sua vida mergulhada no mundo do crime. Eventualmente, acabando preso por um assalto a uma habitação. Na prisão entra em contato com todo o movimento “Nation of Islam” que o leva a dedicar a sua vida ao ativismo pelos direitos da comunidade negra, uma vez libertado é a esta causa que se dedica até à sua morte.
O que pretendo realçar em Malcolm - que acho especialmente importante - é a sua evolução do pensamento ao longo desta batalha pelos “civil rights”. Malcolm inicia, motivado pela “Nation of Islam”, a sua nova vida com uma postura agressiva e combativa a todo este tema. Aos olhos de Malcolm era necessário a formação de um país apenas constituído por afro americanos. Os seus métodos eram explosivos, não descartava a violência como um método essencial e necessário para alcançar seus objetivos - queria uma comunidade organizada e armada. Apesar de compreensível esta sua postura após uma vida marcada por injustiças, à medida que vai amadurecendo e vendo o sucesso de Martin Luther King, Malcolm entende que talvez a excessiva agressividade não seja o caminho.
Depois de uma ida à Meca e uma visita a vários países africanos, motivadas pelo seu afastamento do “Nation of Islam”, Malcolm, agora totalmente independente, muda sua forma de encarar esta batalha. Entende agora que, por vezes, a violência não é o melhor caminho, sendo a consciencialização das massas, para o problema em causa, a via pela qual se conseguirá o verdadeiro progresso. Entende que será mais ajustado, não uma postura de nós contra eles, mas sim uma postura de nós também somos eles. Vê na massa da população a força que precisa para alcançar seus objetivos.
Ora, 60 anos depois vemos que muito permanece. A discriminação continua. Olhemos para Malcolm e aprendamos: a excessiva violência nunca alcançará os objetivos, apenas servirá para a classificação, por parte dos media, de quão criminosa é a causa das populações oprimidas; servindo-se de atos violentos isolados cometidos por verdadeiros criminosos, que já não têm George Floyd nem a devida causa como motivo. Será isto justo? Claro que não, mas os media e a opinião pública raramente o são.
Os progressos reais são alcançados pela consciencialização das massas e pela transformação do indiferente num combatente pela causa. Não deixemos que vídeos que merecem a atenção e análise por parte das autoridades nos distraiam de um problema real vivido nos EUA. Estes que se aproveitam do caos para seu benefício não nos podem tirar os olhos dos verdadeiros problemas e dos governantes que levam aos mesmos.
À semelhança de Malcolm, por muito que a tentação seja responder à violência com violência, esta nunca é a resposta mais eficaz. A violência é cometida por poucos porque as massas desviam o olhar. A verdadeira batalha não está contra estes poucos, mas sim contra o facto de as massas desviarem o olhar - nunca é pela violência que se sensibiliza a população para uma causa.
Usemos esta transformação de Malcolm como exemplo que não são necessários extremos para reconhecer, identificar e progressivamente tratar de um problema muito real. Com uma postura mais racional, requerendo tanta ou ainda mais persistência, se alcançarão reais progressos
Parabéns, muito bem escrito. Dos poucos textos racionais e didácticos que podemos ler sobre esta matéria nestes dias tão confusos.