De João Vasconcelos
No dia 3 de fevereiro, pelas seis da tarde, realizou-se a manifestação que mais deu que falar no ultimo mês no espaço mediático português.
Para os mais distraídos, não se trata de uma manifestação qualquer; esta assume contornos xenófobos e racistas, sendo o seu propósito denunciar uma “islamização de Portugal”.
Esta manifestação, que seria composta por membros de vários grupos da extrema-direita portuguesa, contaria até com tochas em punho, trazendo a recordação de Charlottesville, e mostrando que todas as modas chegam tarde a Portugal – até as racistas.
Num primeiro comunicado, a Câmara Municipal de Lisboa pronunciou-se contra a sua realização, tendo por base um parecer da PSP que alertava para o risco de perturbação da ordem pública caso esta se realizasse nas ruas da Mouraria. Contudo, no dia anterior, tendo os organizadores alterado o local para o Largo de Camões, Carlos Moedas voltou atrás na sua palavra e deu luz verde à manifestação, permitindo que a extrema-direita marchasse em Lisboa.
Proibir uma manifestação, ainda que de contornos ilegais, é uma decisão politica de elevada sensibilidade, atendendo ao caráter basilar do direito de manifestação em qualquer democracia.
Contudo este não é absoluto.
Ainda assim, tal é possível desde que devidamente demonstrado que esta tenha um fim ou objetivo contrário à lei e seja prejudicial à ordem pública. Nesse sentido, não se entende a razão de permitirem a realização desta, pois mesmo que num local diferente os seus fins são os mesmos e o risco mantém-se.
Quando se fala em imigração, é necessário abordar um tópico importante: a resposta dos nossos políticos ao discurso xenófobo que tem sido uma constante ao longo dos últimos meses.
Todos sabemos qual o partido que se refere à imigração como um perigo iminente para a sociedade portuguesa. Sabemos também que se trata de um discurso oco, que segue as pisadas de todos os movimentos da extrema-direita europeia, com expressões como “substituição da população nacional” e “subsidiodependência”.
Uma vez mais, a originalidade não parece ser o forte da nossa extrema-direita. Mas a verdade é que a classe política portuguesa, sobretudo do lado direito da bancada, tem dedicado pouco tempo a esta questão – o que é grave, sendo que a democracia como a conhecemos exige que tais discursos sejam devidamente combatidos.
Não pretendo com isto afirmar que a esquerda e a direita democráticas devam entrar em confronto direto com o partido responsável pela propagação deste tipo de retórica, o que aliás considero prejudicial por ampliar ainda mais a sua ideologia.
Acredito, sim, que os demais partidos devam dirigir-se aos eleitores, procurando desconstruir e desmistificar estes soundbytes, reforçando uma mensagem agregadora, em como aqueles que imigram para o nosso país em busca de uma vida melhor devem ser tratados com o respeito que lhes é devido enquanto seres humanos.
Não se trata, como aliás é referido, de atribuir um tratamento preferencial aos imigrantes sobre os nacionais. Trata-se, antes, de combater uma narrativa perigosa para a nossa democracia, e que aliás contraria os seus mais importantes pilares.
Para tal, é necessário que os partidos políticos democráticos abordem o tema de forma séria, colocando um ponto final na retórica xenófoba e racista. Mas este discurso não deve ser tido só a nível nacional – é necessário tê-lo, também, a nível europeu.
Existir, enquanto país, numa união de Estados, significa estar pronto a defender um certo número de princípios basilares – entre eles, a dignidade da pessoa humana e o respeito por todos aqueles que procuram uma vida melhor.
Não podemos viver numa União que, dizendo-se defensora da livre circulação de pessoas, ofereça um tratamento degradante àqueles que nela entram persuadidos por redes de tráfico humano (saliento que a utilização do termo “emigrante ilegal” para descrever uma pessoa é extremamente desumanizadora, pelo que me abstenho de a usar).
A resposta perante uma questão que é debatida em Bruxelas há mais de uma década não pode passar por assinar acordos com países autocráticos como a Tunísia, para que nos possamos “ver livres” deste problema rapidamente.
Criar melhores redes de apoio, mais postos onde seja possível requerer asilo, diminuir a sua complexidade e burocracia e não reter migrantes em campos onde as condições são deploráveis são alguns dos passos a ser dados.
Ciente de que não estamos perante uma questão de resolução fácil ou imediata, é certo que algo tem de ser feito para que estas pessoas possam alcançar uma vida digna dentro das nossas fronteiras e que sejam devidamente tratadas mesmo que a sua entrada possa eventualmente ser negada.
Mas, antes de mais, é necessário combater o populismo assente numa ideologia puramente racista.
Quanto vamos a Londres, deliciamo-nos com a diversidade cultural de Chinatown; contudo, rapidamente “apelidamos” um dos centros mais culturalmente diversos da nossa capital de “antro de criminalidade” e de “insegurança”, vá-se lá saber porquê.
De forma a garantir a segurança daqueles que habitam a zona escolhida para ser palco da marcha neonazi e áreas circundantes, estes são aconselhados pelas autoridades a permanecer em casa tendo sido montado um enorme aparato policial.
Quem está, afinal, a colocar os portugueses em risco?
Viver em democracia é viver em liberdade. E para viver em democracia é necessário lutar pela liberdade coletiva. É necessário lutar pelos nossos compatriotas e por aqueles que não o são de igual forma. É necessário lutar pela liberdade de existir.
A globalização não é somente apreciarmos o que as diversas culturas têm para nos oferecer, mas é também saber tolerar a diferença e respeitá-la, e acima de tudo não esquecer que todos queremos o mesmo, independentemente da raça, etnia e local de origem: uma vida digna.
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