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Quanto vale o Ensino Superior no Orçamento do Estado?

Na Lei constam princípios como o da democraticidade, da universalidade e da não exclusão referentes ao acesso ao ensino superior. Portugal pode alegar garantir a sua efetiva democratização sem a enquadrar no espectro dos serviços prestados pelo Estado a título tendencialmente gratuito?



Terminado o prazo na passada segunda-feira, dia 27, para a entrega de propostas de alteração ao Orçamento do Estado (OE) para 2020, que foi aprovado na generalidade a 10 de janeiro e cuja votação final global terá lugar dia 6 de fevereiro, é tempo de o analisarmos e de considerarmos o peso que é concedido ao Ensino Superior.

Antes de passarmos à sua apreciação, importa compreender que o OE não se limita a definir a gestão dos dinheiros públicos ou a assegurar a separação de poderes, veiculando também, através da previsão discriminada das receitas e despesas para o respetivo ano civil, as políticas do Governo e o seu enquadramento financeiro nesse período orçamental.

Assumindo, à partida, que o Estado efetivamente promove o bem-estar, a igualdade e qualidade de vida de todos os cidadãos, consumando os seus direitos nos mais variados domínios, facilmente se depreende a relevância deste instrumento de gestão. No âmbito do Ensino Superior, partimos assim do princípio de que o sistema e a sua permanente valorização estão a ser salvaguardados. Contudo, talvez não seja bem assim.

Devemos começar por clarificar que a elaboração e evolução dos diferentes planos orçamentais ao longo dos anos se materializa através de uma ginástica articulada entre objetivos, metas e prioridades. O subfinanciamento crónico de que todos se lamentam deriva precisamente da lógica redistributiva dos fundos públicos; de facto, o dinheiro não é ilimitado nem brota de um poço sem fundo, existem recursos escassos para satisfazer múltiplas necessidades, o que implica fazer escolhas que se refletem no investimento afeto a cada área. A repartição do financiamento de que muitas vezes os ministérios e os partidos políticos se munem, num jogo de “toma lá – dá cá”, materializa as cedências que vão sendo feitas, em virtude do reconhecimento (ou não) da importância das mesmas.

Não é surpreendente concluir que o Ensino Superior não é encarado enquanto verdadeira prioridade governativa, apesar de existirem ténues melhorias. Aumentar a dotação orçamental neste âmbito significa reduzir, por exemplo, na saúde, uma vertente nevrálgica da nossa sociedade, ou mesmo aumentar a tributação - ninguém gosta de pagar impostos, apesar de muitos quererem usufruir de um Estado Social “autofinanciado”.

Por um lado, o OE introduz um reforço na dotação inicial das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas de 55 milhões de euros, contemplando a compensação inerente aos encargos associados à redução do teto máximo da propina de primeiro ciclo no presente ano letivo. A possibilidade de se proceder a uma nova diminuição afigura-se como uma medida relativamente inesperada e, claro, pouco consensual, mesmo no seio do Governo. A polémica gerada resulta, infelizmente, de uma discussão essencialmente cega e ideológica. Desculpas de foro financeiro ou de disponibilidade de investimento coadunam-se apenas com a pouca relevância concedida ao sistema.

Países com PIB per capita inferior a Portugal, como é o caso da Polónia, Eslováquia e Hungria, cobram significativamente menos (ou nenhumas) propinas, sem prejuízo da atribuição de apoios sociais, política que deriva fundamentalmente da forma como a qualificação dos cidadãos é reconhecida pela sociedade. Nesses Estados, considera-se que o benefício social resultante da frequência do Ensino Superior é mais elevado do que o privado, isto é, as repercussões positivas para o desenvolvimento do país como um todo ultrapassam em larga escala as benesses exclusivas de que tiram diretamente proveito os estudantes e os seus agregados familiares. Neste sentido, o Estado deve comparticipar os encargos inerentes à qualificação superior dos seus cidadãos, usufruindo posteriormente das suas externalidades positivas. Na Lei constam princípios como o da democraticidade, da universalidade e da não exclusão referentes ao acesso ao ensino superior. Portugal pode alegar garantir a sua efetiva democratização sem a enquadrar no espectro dos serviços prestados pelo Estado a título tendencialmente gratuito? Por outro lado, a nível de Ação Social direta, o OE perspetiva um ajustamento adicional do limiar de elegibilidade, aumentando o valor de cada bolsa atribuída. Reforça igualmente o Programa +Superior, que apoia estudantes bolseiros no interior do País, e a abrangência dos estudantes com necessidades educativas especiais. Este acréscimo no total de bolsas a conceder anualmente terá, como elencado pela própria tutela, um impacto financeiro suportado principalmente por fundos comunitários, complementado por medidas como o reforço dos empréstimos a estudantes com garantia do Estado. A dependência da boa vontade externa ou do endividamento das famílias perspetiva o financiamento, por via indireta, das Instituições, dissociado de uma genuína intervenção estatal. Por outro lado, o modelo de Ação Social permanece assente numa reprodução arcaica de um esquema com mais de 30 anos insuficiente e inadequado para a realidade dos nossos dias, em prejuízo dos reais custos do ensino superior - material escolar, deslocação, alimentação e alojamento, entre outros.

Se o Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior nos traz poucas ou nenhumas novidades, surge a concessão de um benefício fiscal adicional para a qualificação de jovens em sede do IRS que procura valorizar as suas habilitações, encorajando a sua permanência em Portugal e ingresso no mercado de trabalho. Estas medidas não são, infelizmente, acompanhadas pela valorização transversal dos estudantes por parte da sociedade, como se tem vindo a sentir através da opinião pública.

Estas breves considerações ficam, naturalmente, muito aquém do que é necessário para verdadeiramente compreender o sistema e a sua articulação fulcral com a ciência e a tecnologia. Ainda assim, deixa-se o convite aos leitores para que se debrucem sobre o OE e reflitam um pouco sobre aquele que deve ser o papel dos que constituem, mais do que o futuro, o presente: os jovens e os estudantes.


Sofia Escária

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