De José Cortez
Há 20 anos fomos, pela primeira vez, introduzidos ao universo daquele que é para mim, e digo-o sem rodeios, o artista musical mais influente do século XXI.
Em fevereiro de 2004, Kanye West (hoje conhecido como Ye) lançava o seu LP de estreia – “The College Dropout”.
Depois de um quase fatal acidente de carro em 2002 que o obrigou a colocar um aparelho metálico (e através do qual famosamente rapou em “Through the Wire”), Ye lançou-se num frenesim criativo.
Eternizado pela imagem que hoje conhecemos como a de old Kanye, o então jovem rapper de Chi-town, vestido com o icónico polo cor-de-rosa e de mochila Louis Vuitton às costas, marchou por cima, como tantas vezes viria a fazer, das dúvidas de quem não conseguia nele discernir mais do que um produtor de beats.
“The College Dropout” anunciava o estrelato mundial que se avizinhava.
O álbum, que apresentava na capa a famosa mascote “Dropout Bear”, foi um sucesso avassalador: vendeu 441.000 cópias na primeira semana, aterrando no número 2 da Billboard 200, tendo em 2020 sido certificado como 4x Platina e granjeando-lhe o seu primeiro Grammy de Melhor Álbum de Rap.
Entre as faixas destacam-se “All Falls Down”, “Through the Wire” e “Jesus Walks”, todas Single de Platina, que ainda hoje continuam em rotação em playlists por todo o mundo.
Foi também o ponto de partida para estabelecer o estilo inconfundível do início da carreira de Ye, conhecido como “Chipmunk Soul”, recorrendo a samples acelerados de música soul e r&b dos anos 70 e 80.
Kanye, empoleirado sobre os ombros das influências que o precederam – de Tribe Called Quest e Pharcyde a Lauryn Hill e J Dilla, construiu uma estética sonora profundamente própria.
Foi dentro desse seu mundo que se dedicou a pintar uma complexa e vulnerável tela de emoções que representava a experiência de um jovem afroamericano suburbano e de classe média que (lá está) desistiu da faculdade, e cuja realidade não era a do gangsta rapdominante dos early augts.
O elenco de notáveis rappers, produtores e músicos envolvidos em “The College Dropout”– Jay-Z, John Legend, Common, Talib Kwelli, Mos Def, Twista ou Ludacris, tornava evidente o que faz de Ye, até ao dia de hoje, tão relevante e influente: a sua extraordinária capacidade de cativar e congregar outros sob a sua direção artística.
Ao longo destas duas décadas a música de Kanye passou a habitar a minha paisagem quotidiana.
Dos meus teens ao pós faculdade, da busca pela melodia certa para aplacar as melancolias aos bangers das noites eternas, vivi, ou melhor, penso que todos vivemos num filme cuja banda sonora não conseguia escapar à sua influência.
Continuo a sentir a mesma contagiante energia quando, em qualquer pista de dança, soa aquele sample do Ray Charles pela vozes de Kanye e Jamie Foxx em “Gold Digger”.
Quando preciso de me motivar sei que vou sentir o peito rufar de confiança com a exaltação dos sopros e a explosão de luz em “Stronger” ou “All of the Lights”.
O que, ainda assim, não se compara com o absurdo excitamento pueril e a vontade de fazer press forward para imediatamente ouvir e religiosamente tentar acompanhar os versos de Nicki Minaj e de Rick Ross em “My Dark Beautiful Twisted Fantasy”.
Lembro-me tão bem de sentir pela primeira vez, na pista do piso do meio do Lux, a incontrolável vontade de abanar o corpo ao som da voracidade dos drums naquela ode futurista, mecânica, fria e delirante que é o “Black Skinhead”.
Contudo, é a “Come to Life” e a “Runaway” que perpetuamente regresso, onde a extraordinária conjugação entre o piano, os drums e os sintetizadores me torna, por breves instantes, num ser de vulnerabilidade despida e porosa.
Sinto o peito a afundar, a respiração a tornar-se mais lenta e aquele frio na barriga. É quase como uma pequena e secreta experiência espiritual.
20 anos volvidos da intro de “Through the Wire” onde Kanye perguntou “Yo, G, they can't stop me from rappin', can they?”, a resposta é não, ninguém o consegue parar, nem mesmo o próprio, por mais que pareça estar sempre a tentar.
Há pouco menos de um mês, em colaboração com Ty Dolla $ign, lançou “VULTURES 1”, que se estreou imediatamente no 1º lugar na lista de álbuns da Billboard 200.
VULTURES 1 mostra que 2 décadas depois, Kanye continua a exibir o mesmo magnetismo que em “The College Dropout” e que, ao longo de toda a sua discografia, fez dos seus álbuns verdadeiros projetos orquestrais.
De forma magistral, soube sempre empurrar os rappers e músicos que com ele trabalharam a explorar os limites da sua própria estética, arranjando-os e projetando a sonoridade única de cada um. Fê-lo, em projetos seus ou de outros, com Travis Scott e Playboi Carti como antes tinha feito com Jay-Z, Pusha T, Kid Cudi, T.I. ou Beyoncé.
É por isso que a sua influência on the culture continua sem rival. Nem Eminem, nem Drake, nem J. Cole, nem Kendrick, nem Future, conseguem ter a ininterrupta capacidade de congregar os rappers e músicos mais relevantes do zeitgeist do hip-hop (e não só), dos mais hyped MC’s do momento aos mais estabelecidos independentes, ou como quem diz, de Playboi Carti e Travis Scott a Freddie Gibbs e JPEGMAFIA.
Foi assim que ao longo dos últimos anos a sua música inspirou uma geração de rappers e músicos que hoje dominam as listas de álbuns mundiais: Drake, Travis Scott, Young Thug, Playboi Carti, JUICE WRLD, Childish Gambino, entre tantos outros.
Kanye West tem tanto do seu big brother Jay-Z ou de Notorious B.I.G., como do lendário produtor Quincy Jones ou de notáveis condutores como Leonard Bernstein.
Há 20 anos entrávamos no mundo do pink polo Kanye West, de estreia do primeiro álbum do jovem energético, ligeiramente maníaco e egocêntrico, mas consensualmente aclamado. Hoje vivemos no mundo do conturbado e ciclicamente cancelado Ye, marcado pelas suas sucessivas gafes e ofensas (a lista é extensa…) e por uma perpétua busca por novos horizontes sonoros.
Contudo, e apesar de todas os seus defeitos, este ainda é o mundo de Kanye e eu, pela minha parte, continuarei aqui ansiosamente à espera de todos os seus futuros lançamentos.
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