de Bianca Castro
Afinal de contas, o planeta, as pessoas e as próximas gerações dependem de nós.
A COP29, a próxima conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, acontecerá em novembro no Azerbaijão. De 11 a 22 de novembro, líderes de todos os cantos do planeta irão reunir-se para discutir o futuro da (in)ação climática, logo após aquele que foi o verão mais quente já registado no hemisfério Norte.
A crise climática tem vindo a mostrar as suas diferentes facetas ao redor do mundo, enquanto cientistas nos alertam: o futuro da humanidade está em risco. Mas afinal, o que estará realmente em jogo nas salas de negociações?
Este ano, a COP29 está a ser apelidada de “Finance COP”. E há razões para isso: o tema mais falado este ano no mundo das negociações climáticas internacionais é o financiamento. Os governos devem estabelecer as bases para um novo acordo global, a Nova Meta Quantificada Colectiva de Financiamento Climático (NCQG).
Este novo objetivo vem substituir a promessa anterior de 100 mil milhões de dólares anuais (2020-2025), acordada na COP21 em 2015, onde os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar essa quantia para ajudar os mais vulneráveis a fazer face à crise climática, apoiando em particular os seus esforços de mitigação e adaptação.
Contudo, o processo de negociação do NCQG ao longo do ano deixou claro que as divergências entre o Norte e o Sul Global continuam a paralisar o avanço substancial deste novo compromisso. Enquanto os países em desenvolvimento têm liderado com propostas específicas, as grandes discordâncias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre a quantidade de financiamento, a origem desses fundos (pública, privada, fontes inovadoras), a base de contribuintes (quem deve pagar?) e a criação de submetas (destinadas à adaptação, mitigação e perdas e danos) impedem qualquer avanço significativo.
A sociedade civil, que marca presença em força nesta COP, tem exigências claras. As reivindicações incluem que a quantia do NCQG seja baseada na justiça e na ciência, respondendo às necessidades reais dos países que mais sofrem com a crise. Defende-se que o financiamento seja concedido como subvenções e não como empréstimos, que apenas aumentariam o peso da dívida no Sul Global.
Exige-se ainda que as submetas de financiamento incluam claramente a mitigação, a adaptação e as perdas e danos, os três pilares da ação climática.
Para muitos, a prioridade é também que o financiamento venha maioritariamente do setor público. Afinal de contas, está na hora de o Norte Global assumir a sua dívida histórica e contribuir de forma justa para o futuro do planeta e de todos nós.
Não sendo novidade que a indústria fóssil tem lucrado milhares de milhões de dólares à custa das pessoas, propostas concretas incluem também que, em conformidade com o princípio do poluidor-pagador, a indústria de combustíveis fósseis e outros setores com elevadas emissões também contribuam. Um estudo recente mostrou que um só imposto sobre a extração de combustíveis fósseis pelos países da OCDE poderia gerar 900 mil milhões de dólares até 2030 (começando em 2024 com uma taxa inicial baixa de 5 dólares por tonelada de CO2, aumentando 5 dólares por tonelada a cada ano).
O financiamento é um elemento essencial para viabilizar a ação climática. Os países em desenvolvimento, as pequenas nações insulares e os países menos desenvolvidos estão na linha da frente da crise climática, apesar de serem os que menos contribuíram para a mesma. Num mundo cada vez mais marcado por eventos climáticos extremos, os impactos económicos destes desastres são desproporcionalmente graves nos países mais pobres.
Por isso, estabelecer uma meta financeira que responda adequadamente às necessidades destas nações é fundamental para alcançar justiça climática.
O NCQG não resolverá todos os problemas relacionados com o financiamento climático, mas é uma peça crucial do puzzle, e a COP29 será uma oportunidade para adotar um novo objetivo financeiro robusto que permita aos países cumprirem e aumentarem a sua ambição climática nos próximos anos.
Ainda no que diz respeito ao financiamento climático, e especificamente sobre o histórico lançamento do Fundo de Perdas e Danos na COP28, é fundamental que este ano se garantam e aumentem as promessas financeiras que começaram a ser feitas.
Os compromissos anunciados na COP28 totalizaram 770,6 milhões de dólares; no entanto, esse montante representa uma fração ínfima do valor necessário, que é estimado em até 580 mil milhões de dólares anuais até 2030 e 1,7 biliões de dólares anuais até 2050.
Além do financiamento, outro tópico que está a captar atenção é o da ambição.
Ao abrigo do Acordo de Paris, os países comprometeram-se a apresentar compromissos climáticos nacionais mais robustos (conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas - NDCs) a cada cinco anos. Estes compromissos formam a base dos esforços coletivos do mundo para enfrentar as alterações climáticas no âmbito do Acordo de Paris, e a próxima ronda de submissões deve ser feita até fevereiro de 2025, apenas alguns meses após a cimeira. Durante a COP, os países devem indicar as suas intenções em relação aos novos NDCs que irão apresentar.
O Consenso dos Emirados Árabes Unidos, alcançado na COP28, sublinhou que os novos NDCs devem estar em consonância com a meta de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C. Além disso, os novos NDCs devem incluir compromissos e prazos específicos para a “eliminação gradual dos combustíveis fósseis.”
Alcançar metas de redução de emissões, bem como construir resiliência face às consequências das alterações climáticas e garantir uma transição justa, exigirá mudanças transformadoras na economia. Para estimular essas transformações, os NDCs devem estabelecer metas específicas para cada setor — como a energia, os transportes e a agricultura — permitindo que os países façam a transição das suas economias para longe dos combustíveis fósseis, em conformidade com a ciência climática.
Este tópico está intrinsecamente ligado ao financiamento, pois os países mais vulneráveis precisam de recursos financeiros disponíveis para implementar planos mais ambiciosos.
Após dois dos temas principais da COP29, temos também questões em torno da Adaptação: é essencial acelerar a implementação das metas estabelecidas pela Meta Global de Adaptação (GGA) do Acordo de Paris, melhorando o planeamento e a execução por meio de métricas setoriais e quantitativas.
Outro ponto crítico é o fecho da lacuna de financiamento para a adaptação, que atualmente oscila entre 194 e 366 mil milhões de dólares por ano. Em 2021, os países comprometeram-se a duplicar esse financiamento até 2025, como parte do Pacto Climático de Glasgow (COP26). Durante a COP29, será apresentado um relatório da ONU para avaliar o progresso feito.
Outro ponto relevante é o Artigo 6 do Acordo de Paris, que permite que os países negociem créditos de carbono para alcançar os seus objetivos climáticos nacionais. No entanto, as regras sobre como funcionam esses mercados de carbono ainda precisam de ser definidas, de forma a garantir que estes mercados internacionais sejam ambientalmente sustentáveis e não comprometam os cortes globais de emissões.
Ao longo das duas semanas de negociações, é expectável que o tópico dos conflitos de interesse venha à baila. Mais uma vez, um país produtor de petróleo e gás será o anfitrião de uma cimeira que (teoricamente) visa negociar a redução dos combustíveis fósseis. Segundo um novo relatório divulgado pelo The Guardian, o Azerbaijão conta ver uma grande expansão da produção de gás fóssil na próxima década. Ora, a empresa estatal de petróleo e gás do Azerbaijão, Socar, e os seus parceiros planeiam aumentar a produção anual de gás do país dos atuais 37 mil milhões de metros cúbicos (bcm) para 49 bcm até 2033. A Socar também concordou recentemente em aumentar as exportações de gás para a União Europeia em 17% até 2026.
Quanto à presidência da COP29, está a cargo de Mukhtar Babayev, um ex-executivo da indústria petrolífera e atual ministro da Ecologia e Recursos, que trabalhou durante 26 anos na Socar, passando por diversas funções. Esta situação é semelhante à do presidente da COP28, Sultan al-Jaber, que era o líder da empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, a Adnoc.
Esta COP marca, assim, a terceira vez consecutiva em que um país exportador de combustíveis acolhe as negociações climáticas e o segundo empresário petroquímico consecutivo a ocupar o cargo de presidente da cimeira.
Aproximam-se duas semanas de intensas negociações, protestos, reivindicações, histórias de resistência e emoções à flor da pele. A sociedade civil estará presente e a erguer a sua voz, exigindo ações concretas e responsáveis. Afinal de contas, o planeta, as pessoas e as próximas gerações dependem de nós.
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