Em 2001, o conhecido fotógrafo francês Yann-Arthus Bertrand deu-nos uma perspectiva inteiramente diferente da Humanidade e do planeta que habitamos. Em A Terra Vista do Céu, Bertrand percorre os quatro cantos do mundo entre paisagens humanas e naturais, em busca de um retrato fiel da realidade no seu todo. Das muitas questões que surgiram da captação de imagens tão diversas, houve uma em particular que se destacou pela sua grande inconveniência. Partindo da relação do Homem com a Natureza e das suas evidentes consequências, Bertrand pergunta, “Será possível imaginar uma economia regida por indicadores ambientais e não pelo lucro?”.
A tentação é responder negativamente a esta interrogação. Simplificando aquilo que são relações complexas, o Homem, desde os primórdios da sua existência moderna, tem vindo a criar a sua própria realidade. A Natureza, por consequência, passou a fazer parte de um plano abstracto. A distância criada entre as duas entidades foi cimentada por certos domínios que o Homem concebeu, sendo um dos mais relevantes a economia. O modus operandi económico evoluiu ao longo dos tempos numa matriz egoísta e cega perante aquilo que não tem carácter imediato. A palavra-chave aqui é essa mesmo: imediatismo. Que fique claro que esta crónica não é um ataque directo à Economia, é simplesmente uma reflexão geral sobre aquele que é o seu peso relativo em matéria de decisão. A política, que é dominada em muitos aspectos pelas condicionantes impostas pela economia, é orientada no sentido de satisfazer a curto-prazo vontades socio-económicas. É provável que estas premissas não sejam novidade para grande parte da população. Aliás, são ideias que as pessoas dizem estar saturadas de ouvir. De ouvir sim, não de compreender verdadeiramente os efeitos dessa atitude política na base que suporta todo o seu sistema.
Actualmente, a economia é a bitola do concreto, o indicador por excelência da saúde da civilização moderna. O resto são noções vagas que não trazem prejuízo a ninguém. O economês é, desde há muito tempo, a língua franca em matéria de decisão política. No século XXI, esta constatação é revestida de um peso ainda maior. Se determinadas iniciativas, projectos, leis produzirem emprego, investimento, lucro, isto é, novos horizontes económicos, então tudo isso é visto automaticamente como vantajoso. É a linguagem que nós utilizamos para fazer a triagem entre o que é bom e o que é mau (pondo em termos maniqueístas). Exemplos no país e no mundo não faltam. Só em Portugal são vários: o novo aeroporto de Lisboa, as dragagens no estuário do Sado, a expansão do eucaliptal, o crescimento do olival intensivo e superintensivo… os modelos de estudo são incontáveis. De que vale preservar pradarias marinhas, estuários migratórios, floresta autóctone se tudo o que estes biotas representam é um conceito meramente abstracto, vago e de importância relativa?
O valor destes espaços para o Homem e para o equilíbrio natural da Terra não tem uma quantificação legível tal como a economia tem. Por outras palavras, se fosse possível traduzir o impacto destes elementos ambientais em linguagem económica, prática e concisa, a realidade poderia ser muito diferente. Os números relativos a assuntos do foro ambiental que nos são fornecidos e analisados por cientistas são interpretados deficientemente pelo público em geral, uma vez que no global, o ser humano aprendeu que as alterações económicas e os números que as reflectem têm maior expressão nas vidas pessoal e colectiva. Nós percepcionamos o mundo de uma óptica distante dos princípios básicos da nossa condição natural e primária. Qual a razão desta discrepância tão acentuada? A verdade é que este processo de tradução de um domínio para outro não é aplicável porque a economia vive da necessidade momentânea e dos resultados a curto-prazo. A sua evolução é instável e a previsão difícil. No fundo, é um elemento sujeito a flutuações constantes. Porém, quando falamos em ecossistemas a adjectivação é diferente. A sua relevância surge a um nível contínuo, gradual, de progressão lenta, dependente de uma estabilidade trabalhada ao longo de milhares de anos, ou seja, uma escala temporal que escapa ao nosso próprio entendimento do tempo. Este lote de características não permite ao economista e subsequentemente ao político (dois elos na mesma cadeia) visualizar no grande plano o seu papel crucial na homeostasia global. A entropia que o ser humano acrescenta ao sistema tem um efeito catalisador na destruição do equilíbrio vital à existência não só das espécies e dos habitats, mas também da civilização e de todos os domínios criados pelo Homem. A própria economia inclui-se neste grupo. Os modelos económicos aplicados hoje em dia são modelos desatualizados, não foram pensados na manutenção de uma estabilidade da qual a economia depende. Nos meios decisores persiste uma esperança de que o lixo e o entulho acumulados pela actividade humana fiquem escondidos durante séculos de forma a não importunar o tão desejado crescimento económico. Felizmente, é possível assegurar que essa é uma esperança vã fundada na maior das ignorâncias.
Se o ambiente falasse economês, muito provavelmente o rumo da situação actual teria sido outro. Tendo a certeza absoluta de que tal é impossível, podemos sim esperar que, na viragem da década, surja a mudança que o mundo exige na forma como pensamos e fazemos política, a títulos individual e colectivo. Só um distanciamento maior da economia poderá terminar a negligência de certas decisões que ameaçam a solidez dos alicerces fundamentais: a Natureza e o equilíbrio dos sistemas biológicos.
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