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A relevância (controversa) dos “Impostos Verdes”

Os conceitos de fiscalidade verde e de impostos ambientais não conhecem, infelizmente, todo o reconhecimento e potencial que lhes é devido. Podem até parecer estranhos para muitos, razão pela qual os devemos desconstruir para compreender qual é, efetivamente, a sua relevância.

Crónica de Sofia Escária


A eterna polémica em torno dos impostos cobrados em Portugal tem sido novamente explorada nos últimos dias, em virtude de algumas informações partilhadas acerca da carga fiscal aplicada sobre os combustíveis.


Portugal é, de facto, um dos países com taxas de imposto mais elevadas sobre os produtos petrolíferos, realidade que se deve a diversos fatores. Por um lado, existem determinantes externos como a cotação do petróleo (a referência do preço médio do barril de brent) ou os custos de armazenamento e de distribuição, que se afiguram preponderantes para um país como o nosso, tendencialmente importador e dependente do seu valor. É precisamente por este motivo que nos tornamos particularmente vulneráveis quando os mesmos sofrem choques ou crises repentinas, como foi o caso dos constrangimentos resultantes da pandemia.


No entanto, existe uma componente importante associada ao seu preço final (a mais contestada), que é paga pelas empresas e pelas famílias como resultado da tributação imposta pelo Estado. Este tipo de matérias-primas é sujeito a dois impostos distintos – sobre o Valor Acrescentado (IVA) e sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP). Se o primeiro tende a seguir uma normalização decorrente da prática comunitária e das taxas aplicadas às diversas categorias de bens, o segundo foi profundamente reformado desde 2014, aquando do investimento na Fiscalidade Verde.


As alterações levadas a cabo pretenderam essencialmente introduzir uma mudança de paradigma, procedendo à alteração de um conjunto de normas fiscais ambientais nos setores da energia e emissões, transportes, água, resíduos e biodiversidade, entre outros.


Os conceitos de fiscalidade verde e de impostos ambientais não conhecem, infelizmente, todo o reconhecimento e potencial que lhes é devido. Podem até parecer estranhos para muitos, razão pela qual os devemos desconstruir para compreender qual é, efetivamente, a sua relevância.


Como todos sabem (por muito que os negacionistas não queiram admitir), o fenómeno das alterações climáticas constitui uma realidade registada ao longo dos milhares de anos desde que o planeta Terra existe. A questão que se coloca com o seu agravamento atualmente prende-se com o facto de, ao longo do último século, estas variações terem sofrido uma forte aceleração, (fundamentalmente) em virtude dos gases com efeito de estufa.


De entre os mesmos, destaca-se o dióxido de carbono, responsável por, aproximadamente, 63% do aquecimento global mundial. A sua concentração na atmosfera é hoje cerca de 40% mais elevada do que no início da era industrial, essencialmente porque a sua emissão se deve-se à queima de carvão, petróleo e gás, à desflorestação, ao aumento da atividade pecuária e à utilização de fertilizantes, práticas que resultam da evolução global das economias e da exploração dos recursos naturais.


2020 foi um dos três anos mais quentes de que há registo, com uma temperatura média global de 1,2° Celsius acima do nível pré-industrial. Para contrariar esta tendência, temos necessariamente que falar sobre a ação climática e como adaptar e mitigar as alterações verificadas, algo que podemos fazer através de diversos instrumentos, entre eles os de foro fiscal, portanto, a tributação ambiental.


As economias possuem múltiplas falhas de mercado, de entre as quais as externalidades negativas que, por um lado, subvalorizam os bens ambientais e, por outro, conduzem à sobre-exploração dos recursos naturais, realidade que se traduz numa diminuição do bem-estar das sociedades, quando considerado o efeito ambiental na saúde, no poder de compra e no consumo.


No fundo, a introdução de elementos como os impostos ou as taxas visa incorporar os custos e benefícios ambientais no rendimento das empresas e dos agregados familiares, através do aumento ou redução do preço dos produtos ou serviços que possuem um impacto ambiental.


As reformas dos últimos anos propõem precisamente reorientar os comportamentos dos cidadãos e das empresas, fomentando a eficiência na utilização de recursos e reduzindo a dependência energética do exterior, sob condição de serem alvo de uma carga fiscal menor.


Estes instrumentos ajudam, assim, a internalizar o usufruto dos bens e as emissões poluentes que decorrem dos mesmos, nas decisões dos agentes económicos, destinando-se a taxar os comportamentos nocivos para a saúde do planeta. O princípio inerente é o de que quem contamina paga, na medida em que o preço se torna reflexo do custo dessa contaminação.


Se forem aplicados com a devida credibilidade e previsibilidade, podem servir de incentivo a melhores condutas e àadoção de práticas mais sustentáveis, uma vez que não surtem efeito apenas sobre os bens e serviços a que se referem, mas redefinem, também, o valor relativo dos bens substitutos, ou seja, de alternativas menos poluentes que se tornam mais atrativas.


Por outro lado, além de abaterem da forma mais eficaz o nível de poluição, permitem arrecadar receita, que pode ser canalizada para consolidar o sistema fiscal ou reduzir o impacto de outros impostos. Com efeito, a possibilidade de estabelecer este equilíbrio, afastando a incidência dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e sobre o capital, mantendo o nível de redistribuição constante, contribui para a qualidade ambiental e a eficiência do sistema económico.


Existem alguns desafios no âmbito deste enquadramento. Em muitos casos, não se verifica uma abordagem transversal e sistemática entre setores, resultante do tratamento preferencial de algumas áreas, que limita o alcance desta tributação. Adicionalmente, existem possíveis efeitos regressivos que recaem sobre as famílias mais vulneráveis e que induzem possíveis perdas de competitividade no mercado internacional por parte das indústrias domésticas. A sua imposição de pode inclusive representar elevados custos administrativos e infraestruturais, justificando o motivo pelo qual não são introduzidos.

A aceitação política e social da introdução deste tipo de mecanismos implica, por isso, que a sua incidência prevaleça sobre a real fonte de impacto ambiental e que a taxa aplicada não seja demasiado reduzida, sob prejuízo de não resultar em nenhuma mudança de comportamento, mas também que não seja demasiado elevada, uma vez que dificulta a sua aplicação e fomenta a evasão fiscal.


Todavia, não basta aumentar os impostos sem recorrer a políticas complementares com base noutros indicadores, desde a concessão de benefícios fiscais e subsídios a sistemas de reembolso. O que realmente importa não é contestar a elevada carga fiscal, mas sim compreender a aplicação que resulta da receita obtida através da mesma. Em 2021 o apelo à consciencialização dos cidadãos e à sua intervenção cívica deve passar pela reivindicação da canalização das verbas adquiridas através da cobrança dos impostos para o investimento em infraestruturas e serviços que permitam, de forma real a e eficaz, contribuir para colmatar as alterações climáticas e as desigualdades.


O fantasma do Estado Social opressor e da incompreensível redistribuição de rendimentos operada através do regime fiscal que muitos defendem não considera a realidade do nosso país e do mundo em que vivemos. Não são os que mais possuem (e muitas vezes que mais contestam) que são retrato das condições de vida em Portugal, mas sim aqueles que menos têm e para cuja sobrevivência esta intervenção se afigura essencial. Não se trata de abolir direitos ou interferir com liberdades, mas sim de extinguir privilégios e estabelecer uma sociedade mais equitativa. É esse que deve ser o papel dos nossos impostos.


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