A utilização contínua de pesticidas num setor que se encontra numa corrida contra o tempo para satisfazer as necessidades de uma população mundial que cresce a um ritmo alucinante é insustentável, mas deixemo-nos de fatalismos, sejamos otimistas
Em parceria com:
Crónica de João Pereira
Estudante da FCUL
É daquelas coisas que parecem não fazer sentido até percebermos que faz todo o sentido - uma planta adoece?... Ah, pode “estar com bicho”! Mas, se assim for, aplica-se um pesticida e fica curada, certo? Certo, pelo menos é esse o consenso, desde a horta do avô até aos grandes latifúndios na lezíria ribatejana. Contudo, se este paradigma da aplicação indiscriminada de pesticidas se conservar por tempo indefinido, podemos parar de nos preocupar com as plantas de todo, dado que não haverá sequer solo saudável onde as plantar…. É verdade que uma planta não se constipa, mas as plantas adoecem e é precisamente quando adoecem que a situação se complexifica. É também aqui que reside a problemática investigada pela área da Fitopatologia - estudo das doenças de plantas – algo que acompanha a humanidade desde que esta começou a depender delas para a subsistência.
As doenças das plantas são conhecidas duma forma mais sistemática desde, pelo menos, a Grécia Antiga (se algo existe, foi um grego que o descobriu…), mas foi somente no início e meados do século XX que a fitopatologia ganhou robustez enquanto disciplina da Biologia através da criação de publicações académicas e organizações governamentais com este âmbito. Este desenvolvimento, atendendo à máxima de que a ciência é movida pela necessidade, coincide com a Revolução Verde, que promoveu uma massificação da agricultura a nível mundial e também um enorme salto na população mundial. Coincidência?
Na atualidade, o derradeiro objetivo da investigação fitopatológica é tornar as plantas, principalmente as de valor acrescido, imunes às doenças que as afligem. Mas este é um daqueles objetivos idílicos que é impossível de alcançar pela simples razão de que os patógenos não se deixam ficar para trás! Isto porque, segundo Charles Darwin, os organismos são selecionados pela Natureza com base nas características que lhes são mais vantajosas. Se um patógeno se deparasse com uma super-planta imune a todos os seus antigos ataques, é expectável que este passe a ser sujeito a estas forças seletivas, passando a ser uma questão de tempo até que ele desenvolva uma nova estratégia para atacar a planta – um fenómeno que também ocorre com pesticidas e que se traduz na resistência dos organismos aos mesmos. É uma corrida eterna entre progresso e doença sem qualquer vencedor.
E então? O que é que os investigadores podem fazer para criar super-plantas que resistem a qualquer doença?
Primeiro, é importante saber que os patógenos de plantas vêm de todos os lados do mundo vivo. Podem ser vírus, bactérias, fungos, oomicetos – um grupo peculiar, aparentado com algas, mas morfologicamente parecido com fungos – ou animais. Segundo, estes organismos usam abordagens diferentes para atacar o seu hospedeiro: enquanto que a bactéria Agrobacterium tumefascens promove a formação de tumores na raiz da planta ao criar um desequilíbrio hormonal nestes tecidos, o oomiceto Plasmopara viticola, agente causador do míldio da videira, ataca a planta através dos estomas das folhas, desenvolvendo o seu micélio no interior da mesma e levando à morte celular, entre muitos outros. Esta infindável diversidade patogénica torna o solucionar do problema das doenças de plantas um processo muito mais desafiante, daí a investigação ser tendencialmente feita numa abordagem caso a caso (o estudo da interação entre P. viticola e a videira, por exemplo).
Posto isto, por onde começar? O que analisar nesta interação? E porquê investir nesta área quando os pesticidas têm sido mais que satisfatórios? Quanto às primeiras duas questões, a resposta jaz num conjunto de disciplinas da Biologia que atualmente estão “na moda”, as Ómicas. Muito brevemente, as Ómicas tentam quantificar e descrever com imensa precisão os processos que ocorrem a nível celular e cuja informação nos permite inferir fenómenos ao nível do sistema completo - enquanto que a genómica se preocupa com as particularidades do Genoma (DNA), a metabolómica analisa os produtos do metabolismo (metabolitos) que o organismo produz e como é que eles impactam as suas funções biológicas, por exemplo. A aplicação destas abordagens à Fitopatologia permitiu-nos descortinar as alterações que ocorrem nas células aquando de uma infeção, dos quais o mais fascinante é a resposta hipersensitiva (na minha humilde opinião), um processo em que a planta mata deliberadamente as suas próprias células para privar o organismo dos nutrientes que este lhe rouba. Conhecem-se também os “sensores” que a planta usa para reconhecer que está a ser atacada, as vias por onde ela sinaliza que está a ser atacada e até os mecanismos de memorização dos ataques passados!
Isto é excelente, mas, so what? É efetivamente fascinante descobrirmos as nuances da fisiologia da planta, mas como é que isto nos ajuda se os pesticidas têm solucionado os nossos problemas agrícolas? A verdade é que sob o manto aparentemente miraculoso dos pesticidas, jaz um conjunto de consequências nefastas que ameaçam a saúde humana e os ecossistemas, consequências que todos conhecemos bastante bem. A melhor parte é que existem alternativas criadas através da integração destes factos à Biotecnologia, permitindo-nos criar soluções alternativas aos pesticidas. São exemplo a aplicação de compostos que “ativam” o “sistema imunitário” da planta, a promoção de simbioses com outros organismos que ajudam a planta ou até a criação dos temidos OGMs, como é exemplo o “Milho-Bt” resistente a insetos. Alternativas existem, mas são naturalmente difíceis ou morosas e dispendiosas (ou as três ao mesmo tempo) de se implementarem…
A utilização contínua de pesticidas num setor que se encontra numa corrida contra o tempo para satisfazer as necessidades de uma população mundial que cresce a um ritmo alucinante é insustentável, mas deixemo-nos de fatalismos, sejamos otimistas. A ciência produziu e continua a produzir soluções para estes problemas. O que atrasa verdadeiramente o progresso são as limitações financeiras, políticas e sociais impostas à ciência que separam o dia de hoje do dia onde o mundo parará de perder culturas para fitopatologias. A ciência produz conhecimento que nos serve a todos, mas numa altura de crescente ceticismo e descrédito quanto à mesma, torna-se difícil fazê-la, mesmo quando o mundo mais precisa dela.
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