Nos últimos meses, a subida dos preços do consumo de energia e combustíveis têm deixado o mundo, os europeus e, sobretudo, os portugueses extremamente indignados. Na Europa, apesar da crescente tendência do uso de carros elétricos, o consumo de gasolina está em crescendo, com países a atingirem o seu pico máximo nos últimos 10 anos.
de Maria Leonor Carapuço
Os impactos sentem-se por todos os lados num momento em que a necessidade de energia aumenta exponencialmente. As cidades voltam a encher-se de carros por pessoas que querem evitar os transportes públicos em contexto de pandemia. A reabertura de economias por todo o mundo leva ao reabrir de fábricas que precisam de energia elétrica e de produtos que precisam de ser transportados. Hoje, apenas as restrições de viagem impedem que os níveis de consumo de combustíveis para aviões sejam tão ou mais altos do que o consumo de petróleo em 2019.
Com a aproximação do inverno, a Comissão Europeia apelou aos Estados-membros que façam tudo ao seu alcance para baixar os preços dos combustíveis e ajudar as famílias e empresas. Como a Comissária de Energia, Kadri Simson, fez questão de salientar: a culpa não é das políticas climáticas ou porque as energias renováveis são caras, mas esta crise deve-se ao facto de que os preços dos combustíveis fósseis estão a disparar.
Mas a que se deve esta subida?
Há certos fatores circunstanciais, mas também algumas tendências de longo prazo. Nos últimos meses, a Europa teve velocidades de vento abaixo do normal, o que levou a uma maior dependência de gás natural. Por sua vez, a alta procura a nível mundial de gás levou a uma subida de preços, coincidindo ainda com um menor volume de gás proveniente da Rússia e uma diminuição da exportação de gás da Noruega, Trinidad e Nigéria. Dado que o inverno anterior foi mais frio que o normal, havia também menos gás armazenado.
Contudo, dois fatores macro tiveram uma grande influência no desinvestimento de combustíveis fósseis (gás natural, petróleo e carvão), levando a uma subida dos preços dos mesmos:
Em primeiro lugar, importa notar o comportamento dos países do OPEC, a Organização de Países Exportadores de Petróleo que congrega os países que foram responsáveis, em 2020, por 37,1% do total de petróleo produzido no mundo. A OPEC existe para que os países que exportam petróleo possam coordenar a quantidade de petróleo que produzem, exercendo uma influência muito forte nos preços a que o exportam. Por outras palavras, é a definição de cartel, altamente condenado pelos princípios da economia e concorrência — o que seria considerado ilegal se se tratassem de meras empresas. Mas falamos de países — e países muito particulares, dos quais depende o mundo inteiro — pelos quais é um dado adquirido que o mercado do petróleo funciona desta forma.
A meia década de preços relativamente baixos durante a chamada “época de abundância", que terminou com o início da pandemia, esvaziou os cofres destes Estados. Consequentemente, assistiu-se também a um corte nos investimentos para a produção de mais petróleo. Agora que os preços voltam a subir, a prioridade dos países da aliança OPEC+, na qual se inclui a Rússia, não é aumentar a produção de petróleo, mas sim reabastecer os cofres dos Estados. Acrescenta-se a cautela face a um possível ressurgimento da pandemia, que volte a reduzir o consumo de energia.
O segundo fator de desinvestimento nos combustíveis fósseis é mais estrutural, baseando-se no combate à crise climática através de uma transição para fontes de energia mais renováveis.
A transição energética encontra-se num momento tenso, com políticas públicas que têm simultaneamente como objetivo reduzir as emissões de carbono, reduzir os preços do consumo de energia e garantir um abastecimento seguro.
Com as políticas públicas a favor da redução de emissões de carbono em alta, os investidores querem sair dos "negócios sujos”, ao mesmo tempo que esperam que o pico de consumo de energias não renováveis seja atingido em breve e os seus investimentos de outrora deixem de ser lucrativos. Consequentemente, as empresas começam a mudar as suas áreas de atividade, cortando nas despesas em combustíveis fósseis e fechando infraestruturas. A curto prazo, se as energias limpas não estão prontas para tomar a liderança, criar-se-á um desequilíbrio e volatilidade nos preços.
Isso significa que devemos culpar a transição energética?
Pelo contrário. Como explicou a comissária europeia Kadri Simson, significa que devemos apoiá-la mais do que nunca. Esta transição não poderia suceder sem tensão, se afinal significa a mudança da forma de viver e produzir a nível mundial.
A dificuldade está em encontrar um equilíbrio político. Se o contexto político for favorável à transição, a resposta que se espera a esta crise é que o investimento em energias renováveis aumente exponencialmente. Se o contexto não for favorável, a crise pode ser usada como argumento para atrasar a transição. E certamente que, se os líderes europeus não forem capazes de gerir o impacto da subida de preços da energia nas famílias e empresas, a opinião pública europeia (atualmente muito favorável ao combate à crise climática) poderá certamente mudar.
Não só as energias renováveis são mais baratas de produzir, como é preciso ter em conta que as políticas públicas para a redução de emissão de carbono chegaram de vez à Europa. Por exemplo, as plantas de produção de energia têm de pagar por cada tonelada de dióxido de carbono que emitem, sendo que os preços quase duplicaram este ano para 60 euros por tonelada. Com políticas tão fortes em vigor, a resposta para preços mais altos de energia não são mais combustíveis fósseis, mas mais oferta de renováveis.
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