Apesar de a engenharia genética ter várias fraquezas e levantar algumas questões éticas, acreditamos na capacidade da Humanidade de seguir o caminho correto e dirigir os conhecimentos no sentido de melhorar a qualidade de vida das pessoas e responder às necessidades médicas sentidas.
Em parceria com:
Crónica de Inês Nunes e Raquel Torres
Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
A engenharia genética e outras formas de engenharia biológica podem levar-nos a realizar alterações profundas, não só na nossa fisiologia, no sistema imunitário e na esperança média de vida, como também nas nossas capacidades intelectuais e emocionais. Se a engenharia genética pode criar ratos superinteligentes, porque não seres humanos superinteligentes?
Yuval Noah Harari, Sapiens: Uma Breve História da Humanidade
Todos já ouvimos falar de genética, mas será que sabemos o seu significado real?
Genética é o ramo da ciência que desenvolve e domina as técnicas para a manipulação dos genes, com o propósito de produzir organismos com genética melhorada.
Em 1905 o termo “genética” foi utilizado pela primeira vez por William Bateson, cujo trabalho se baseou nos resultados de Mendel. Mendel, considerado o pai da genética, dedicou os seus estudos à variabilidade genética de ervilhas e outras plantas, assinalando uma nova era para o estudo da hereditariedade.
O conhecimento científico sobre o que viria a ser a engenharia genética inicia-se nos anos 50 com a observação de um estranho fenómeno: os vírus que infectam bactérias (bacteriófagos) eram capazes de crescer e propagar-se mais rapidamente em certas bactérias e não noutras, sendo que as últimas impediam, com efeito, o seu desenvolvimento.". Desta forma, um vírus que se propagava eficientemente numa bactéria podia vir a perder a sua capacidade de propagação noutra.
Posteriormente, estudos confirmaram que a capacidade de algumas bactérias de se protegerem contra um vírus advinha da “maquinaria” celular deste ser vivo. Esta permitia “mascarar” o material genético da bactéria e evitar o ataque do vírus enquanto o destruía.
O estudo deste fenómeno permitiu que nos anos 60, se mapeassem os primeiros segmentos genéticos de microrganismos e se fizesse a sua clonagem.
Atualmente, utilizam-se estes métodos para terapia genética, síntese de fármacos, clonagem de sequências com importância biológica, diagnóstico de doenças, investigação criminal e reprodução de animais transgénicos a partir de células estaminais (células que ainda não sofreram diferenciação, pelo que podem gerar qualquer tipo de célula, inclusive um novo ser vivo). Duas aplicações de destaque são a produção de insulina e a vacina da Hepatite B.
Em 1922, a insulina produzida geneticamente foi aceite para uso em pacientes com diabetes. A sua produção consistia essencialmente na utilização do gene da insulina e uma bactéria. Empregando os enzimas que cortam o DNA da bactéria num local específico, insere-se o gene da insulina, levando a que quando a bactéria se reproduzir forme também insulina. Atualmente, toda a insulina é produzida por este método.
Por sua vez, a Hepatite B é uma doença infeciosa causada pelo vírus da Hepatite B que afeta o fígado e pode causar infeção crónica. O elevado número de infetados tornou premente a necessidade de criar uma vacina que, ao ser administrada, fosse reconhecida pelo sistema imunológico e assim se produzissem os anticorpos necessários contra esta doença.
O processo para a sua criação consistiu em inserir o gene HBV, que codifica para as proteínas exteriores do vírus da hepatite B numa levedura e esta, por sua vez, produz as proteínas em grandes quantidades. As proteínas produzidas são introduzidas na vacina e administradas aos pacientes, o que permite ao sistema imunitário reconhecer as tais proteínas e criar anticorpos. Deste modo, quando o organismo sofre uma infeção pelo vírus, o corpo mobiliza os anticorpos necessários para combater o vírus.
Num futuro não muito longínquo, pretende-se usufruir destes conhecimentos em genética para conhecer e sequenciar os perfis de vários cancros. Mas estas aplicações limitam-se ao poder da nossa imaginação. Por um lado, é possível pensar que poderá alterar-se o genoma humano da forma mais proveitosa, onde o custo será uma operação e pouco mais. Por outro, quando se pensa em alterar o genoma humano, vem-nos à cabeça a típica imagem de alterar a fisiologia de um embrião, escolher a cor dos olhos, cabelo, capacidades físicas e intelectuais, o que leva ao ceticismo da população relativamente a estes métodos. É evidente que existem conflitos morais e éticos. Quando os conhecimentos adquiridos pelo Homem permitem modificar aquilo que a natureza criou, estaremos a tomar o papel de Deuses?
Há mais uma história que queríamos partilhar antes que tomem as vossas decisões sobre este tema. Em 1997 foram publicados resultados sobre o crescimento de uma orelha humana nas costas de um rato. A imagem que partilhamos convosco gerou uma onda de protesto contra a engenharia genética.
O processo consistiu em utilizar um pequeno pedaço de cartilagem humana e um molde biodegradável do mesmo material utilizado para dissolução dos pontos cirúrgicos, levando assim a que as células conseguissem crescer adquirindo a estrutura de uma orelha. A motivação na base desta experiência prende-se com o facto de que a cartilagem da orelha ser difícil de reconstituir, pelo que realizar um transplante seria a abordagem mais simples. Contudo, os transplantes dependem da compatibilidade do dador e mesmo assim existe uma grande probabilidade de o sistema imunitário do transplantado rejeitar o novo tecido.
Uma abordagem mais eficaz seria utilizar as próprias células do organismo, o que iria diminuir a probabilidade de rejeição. Imaginem o quão vantajoso seria para o sistema de saúde conseguir ajudar vários pacientes que esperam anos para obter um transplante que pode não funcionar. Estamos a falar da hipotética produção de pulmões, fígado e outros órgãos, em que, logicamente, o processo deverá ser mais elaborado e complexo do que a produção de uma orelha, mas os conhecimentos seriam claramente aproveitados e aproximam-nos cada vez mais dessa realidade.
Apesar de a engenharia genética ter várias fraquezas e levantar algumas questões éticas, acreditamos na capacidade da Humanidade de seguir o caminho correto e dirigir os conhecimentos no sentido de melhorar a qualidade de vida das pessoas e responder às necessidades médicas sentidas. Confiamos que a cura do cancro e outras doenças sem tratamento na atualidade passe pelo conhecimento do DNA e pela capacidade de modificá-lo para proveito do paciente, que, no caso de pessoas que tenham órgãos que precisam de restauração, não fiquem indeterminadamente à espera, e que o processo assegure uma maior taxa de sucesso do que os métodos atuais.
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