Tal como a ciência, a arte também está em constante mudança, escrutínio, repleta de fenómenos por explorar e é de extrema importância na sociedade. As questões morais e éticas que surgem também desempenham um papel fundamental na divulgação uma vez que é uma componente que gera debate que, por sua vez, gera maior interesse no tema discutido.
Em parceria com:
Crónica de Catarina Fernandes
Estudante de Biologia, FCUL
A união entre a arte e a ciência está mais presente no nosso quotidiano do que imaginamos. Esta simbiose pode ser encontrada na arquitetura dos edifícios que nos rodeiam, nas formas das pedras das calçadas ou até mesmo na ficção (científica ou não) encontrada na sétima arte ou na literatura. Porém, existe uma área que talvez não seja tão óbvia quanto isso; tal área corresponde à Bioarte (junção da Biologia com as artes visuais), usando a arte biotecnológica como ferramenta! É uma forma recente de praticar arte e ciência visto que a sua origem data de finais do século XX. E em que consiste? A bioarte usa conhecimento e técnicas do campo da Biologia como instrumento artístico. Neste caso, os estúdios dão lugar a laboratórios, os materiais dão lugar às moléculas de DNA e tecidos vivos e os autores são artistas biotecnológicos. Estes também devem respeitar as mesmas leis e precauções que os cientistas.
Trabalhar com organismos vivos e usá-los como instrumento de trabalho, especialmente para fins não científicos, pode levantar questões éticas, consoante o projeto em si. Por outro lado, esta prática pode e deve ser uma grande aliada da divulgação e consciencialização de ciência e da sua importância na sociedade.
Um caso controverso é a coelha Alba, trabalho do artista brasileiro Eduardo Kac que emite fluorescência à luz UV, graças a uma modificação genética, resultante da adição de um gene da medusa que permite sintetizar uma proteína (Green Fluorescent Protein) responsável por este fenómeno. Kac é responsável por outros projetos como "Natural History of the Enigma" onde criou um híbrido, por ele batizado de "Edunia" derivado da junção do seu próprio DNA com o de uma petúnia. Um dos seus genes é expresso nas veias vermelhas da flor que contrastam com as pétalas rosadas.
Outro exemplo pertence à artista portuguesa Marta Menezes que trabalhou com uma equipa de investigadores, em 1999, numa colaboração chamada "Nature?" que consistiu na modificação de padrões de uma asa de borboleta, intervindo na crisálida (estado de desenvolvimento entre a larva e o adulto). Este procedimento não envolveu engenharia genética, ou seja, as alterações não foram efetuadas a nível dos genes, impossibilitando a sua transmissão às gerações futuras. Menezes é autora de outros trabalhos como "Proteic, Portrait" (2002) - esculturas feitas de proteínas - e "Functional Portraits" (2002-2007) que consistiu na captação da atividade cerebral de vários indivíduos, através de retratos de ressonância magnética, como por exemplo a atividade da própria artista enquanto pintava um quadro ou a atividade de um pianista enquanto tocava o seu instrumento. É também fundadora de muitos outros projetos, nomeadamente "Ectopia"; um laboratório em Lisboa, ainda em atividade, para artistas que se interessam nesta interseção de campos, onde podem criar as suas obras, contribuindo assim para a perpetuação deste movimento.
Polona Tratnik, outra bioartista, eslovena e autora de vários projetos como “Unique” (2006-2008) em que expôs o universo microbiano (fauna e flora bacteriana) de um indivíduo através de amostras coletadas e exibidas em vitrinas de vidro. Deste modo, o próprio indivíduo e outros são convidados a visitar um outro aspeto do corpo humano, repleto de diferentes vidas dentro de uma só, causando a sensação de estranheza e invasão de privacidade da pessoa em questão. “In-Time”(2005-2007) é uma obra semelhante em que são apresentados objetos doados por vários indivíduos (com um certo valor sentimental para estes) e os respetivos microorganismos. São sem dúvida obras causadoras de um misto de emoções (característico de qualquer forma de arte) e com uma base científica a nível da microbiologia. Em “Private Bowls” (2001), cobriu uma escultura com pele humana viva, tentando sempre manter as condições favoráveis ao crescimento das células da pele humana.
Suzanne Anker é artista plástica e pioneira da arte biotecnológica. Em 1994 exibiu uma das primeiras exposições dedicada à arte e genética, chamada “Gene Culture: Molecular Metaphor in Visual Art”. É também autora de “Zoosemiótica” – recipiente de vidro cheio de água com esculturas semelhantes aos pares cromossómicos de peixes, rãs, gazelas e primatas – entre outros projetos. De forma a ilustrar e a divulgar a bioarte, entre 2001 e 2006, apresentou uma série de episódios chamada “Bio-Blurb Show” nos quais focava o cruzamento entre arte e as ciências biológicas.
São várias as pessoas que se dedicam à união entre duas áreas que, à partida, aparentam ser tão díspares. Como é um campo recentemente explorado, ainda há muito espaço para o seu desenvolvimento no futuro. Tal como a ciência, a arte também está em constante mudança, escrutínio, repleta de fenómenos por explorar e é de extrema importância na sociedade. Ambos influenciam e são influenciados pelo seu meio. Deste modo, a união de ambas é a combinação perfeita para a sua difusão. As questões morais e éticas que surgem também desempenham um papel fundamental na divulgação uma vez que é uma componente que gera debate que, por sua vez, gera maior interesse no tema discutido.
A Bioarte é um exemplo da multidimensionalidade característica dos tempos que vivemos em que é cada vez mais notório todo um espetro de cores disciplinares que se misturam, contrariando tanto uma visão categórica como uma abordagem unilateral do conhecimento.
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