Crónica de João Maria Jonet
Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, NOVA-FCSH
Quase de certeza que já ouviste falar do Colégio Eleitoral. Um conceito envolto em obscuridade e misticismo que, sabe-se lá como ou porquê, decide quem é o "Líder do Mundo Livre". Vou tentar explicar-te o que é este órgão e por que é que existe - juro que é mais simples do que parece.
Para começar, é importante saber que em todas as eleições Presidenciais, desde a fundação dos Estados Unidos, nenhum eleitor americano elegeu diretamente o seu Presidente. Bem... nenhum não, apenas os electors, neste momento 538, que se encontram pouco mais de um mês após as eleições e escolhem o vencedor.
O que é que é um elector? Um elector é uma pessoa escolhida pelas estruturas partidárias estaduais dos dois partidos para depositar um voto no seu candidato. É eleito numa lista se, no seu Estado, o vencedor for o seu partido. Por exemplo: O Ohio tem 18 votos de Colégio Eleitoral, portanto se Trump ganhar o Ohio, 18 pessoas escolhidas pelo partido do Presidente (Republicanos) vão em Dezembro depositar os seus votos nele. As pessoas em si são desconhecidas do grande público, e não passam a ser conhecidas, a não ser que algo de extraordinário aconteça. O elector é bem mais número que pessoa.
Porque é que são 538? Cada Estado tem o número de votos no Colégio Eleitoral determinado pela soma de todos os seus membros do Congresso (Representantes + Senadores). Por exemplo, a Flórida tem 29 votos que representam os seus 27 Congressistas na Câmara dos Representantes e os seus 2 Senadores; o Vermont tem um Congressista e 2 Senadores - todos os Estados têm o mesmo número de Senadores, os Congressistas é que são alocados de acordo com a população.
Se o Congresso só tem 535 membros, de onde é que vêm os outros 3? Os 3 que faltam representam Washington que, apesar de não ter membros votantes no Congresso, pode votar nas presidenciais e, portanto, é lhes atribuído o mesmo número de votos que os Estados da sua dimensão (Vermont e Wyoming). Estes 3 votos representam os 2 Senadores e o Representante que D.C. teria se fosse um Estado.
Mas para que é que isto serve? Os "Pais Fundadores" dos EUA queriam a toda a força evitar que uma "maioria opressiva" tomasse conta da sua recém-fundada República e, por isso, criaram duas coisas: O Senado e o Colégio Eleitoral. O Senado serviria para contrabalançar as vontades dos Estados com grandes populações que elegiam mais Representantes, pois todos os Estados pequenos ou grandes teriam direito ao mesmo número de Senadores. Servia também para equilibrara a força política de um Norte mais populoso e mais anti-esclavagista com um Sul que queria à força toda preservar um modelo económico baseado em trabalho forçado.
Já o Colégio Eleitoral serviria para impedir que os candidatos presidenciais se concentrassem apenas nas vontades das grandes cidades e das zonas mais populosas, obrigando-os a visitar todos os Estados e a ouvir todas as preocupações de todos os cidadãos se queriam ter hipóteses de vencer. Idealmente, os eleitores seriam notáveis membros da sociedade civil, escolhidos para moderar qualquer escolha mais populista ou irresponsável do eleitorado. Era, também, uma maneira de preservar a importância política do Sul, porque, tal como no Senado, desvirtuava o conceito de uma pessoa um voto. Para que o sistema favorecesse o Sul ainda mais, criou-se o “Compromisso de 3/5” que estipulava que escravos valiam como 3/5 de uma pessoa para efeitos de censos, para aumentarem a representação dos seus Estados no Congresso mesmo não podendo votar.
Este sistema já foi muito criticado, especialmente em 2000, quando Al Gore, numa situação que não era inédita na História eleitoral americana, perdeu as eleições para George W. Bush no Colégio Eleitoral, apesar de ter tido mais 500 mil votos. De facto, hoje em dia, pode não fazer muito sentido os electors reunirem-se em Washington a cada 4 anos para depositar os seus votos, sabendo já nós de antemão qual será o resultado deste sufrágio. Este sistema de "vencedor-ganha-tudo" acaba por parecer algo injusto, pois muitos republicanos em Estados democratas ou vice-versa percebem que os seus votos acabam por ser inúteis, e já há alguns defensores de um sistema proporcional como no resto do Mundo.
Num momento em que um elector não é mais que uma figura de aparelho sem pensamento crítico, a ideia do Colégio Eleitoral como moderador está esgotada (aliás, há muitos Estados que impedem que o elector tenha liberdade de voto). Para além disso, o Colégio Eleitoral é um mecanismo que permite governo pela minoria (de forma menos flagrante que o Senado, mas mesmo assim grave), o que mina a confiança nas instituições.
Se um Presidente puder ser eleito com menos milhões de votos que o seu opositor, que legitimidade tem ele para governar? Se um Senador tiver 46 Senadores a representar o mesmo número de pessoas que os 2 Senadores da Califórnia, como é que as suas decisões estão a espelhar a vontade dos norte-americanos?
Estamos perante relíquias dos equilíbrios políticos do século XVIII, que se não forem reformados poderão viver tempo suficiente para assistir à sua caótica destruição.
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