Nestas histórias reais, os seres humanos buscam infinitamente por respostas às suas perguntas, lidam com frustrações e incertezas e por vezes, sentem-se com vontade de desistir. É esta ligação profunda que leva a pensar que a ciência não é para as elites, é para quem se possa interessar. De médico, de sábio e de louco todos temos um pouco, não é verdade? Mas eu acrescentaria “de cientista” também, todos temos curiosidade e queremos ter respostas às nossas perguntas, que normalmente chegam no final da história.
Crónica de Dora Dias
Estudante de doutoramento, FCUL
Uma parceria:
Comunicar ciência é sempre desafiante, tanto pela sua complexidade e detalhe como pela sua frieza mecânica. E nunca foi tão importante, como nos dias de hoje, transmitir informação científica de forma clara, sem que esta perca o seu rigor. Existem várias formas e plataformas para transmitir mensagens científicas, contudo existe uma forma eficaz de transmitir a mensagem, que capta a atenção da nossa audiência ao mesmo tempo. Como? Aligeirando e contando uma história (de/sobre ciência), o chamado storytelling. Porquê? Nós ouvimos histórias desde pequenos, as histórias podem encantar-nos e incitar a nossa imaginação, porque alinham uma ideia a um sentimento. São veículos de transmissão de informação simples e são fáceis de recordar. Muito antes de haver escrita, já as histórias eram partilhadas entre gerações. As histórias rodeiam-nos, em vários formatos, desde sempre.
Então que história deve ser contada para divulgar ciência? Não se pode contar uma história qualquer, não. O truque é que tem de ser uma história interessante que cative, de forma natural, a atenção e a curiosidade de quem a escuta. Uma forma mais simples de fazer isso é acrescentar ou escolher uma história com algum mistério.
Às vezes não é preciso ir muito longe, a história da ciência está repleta de episódios que podem ser usados para ensinar ciência ou para abordar algum conceito específico. Desde o macabro caso do “Crime da rua das Flores” (que já foi usado numa actividade que abordava química e ética), à descoberta da estrutura da molécula de DNA (em que Rosalind Franklin ficou de fora do prémio Nobel), às aventuras de Garcia de Orta pela Ásia que aumentaram o conhecimento sobre plantas medicinais, ou até ao Ricardo Jorge e a (sua) luta contra uma epidemia, a gripe pneumónica ou gripe espanhola.
Estes são apenas alguns exemplos, e cada um pode ser aproveitado para o storytelling, tendo em mente os objectivos pedagógicos estabelecidos à priori. Se o storytelling científico for usado em contexto de sala de aula, estabelecer objectivos pedagógicos que vão ao encontro com as metas de ensino governamentais torna o processo de escolha e de criação mais fácil e objectivo. Destes quatro exemplos que mencionei, três têm origem portuguesa e esta escolha não foi feita ao acaso. A história deve ser adaptada à audiência que a vai ouvir, é preciso ter em consideração a sua idade e o seu meio cultural.
O uso de um episódio real da história da ciência ajuda a reduzir a dificuldade de comunicar/ensinar ciência, por ser algo mais tangível. É mais humanizante, aproxima-nos dos personagens da história, que são humanos tal como nós. Nestas histórias reais, os seres humanos buscam infinitamente por respostas às suas perguntas, lidam com frustrações e incertezas e por vezes, sentem-se com vontade de desistir. É esta ligação profunda que leva a pensar que a ciência não é para as elites, é para quem se possa interessar. De médico, de sábio e de louco todos temos um pouco, não é verdade? Mas eu acrescentaria “de cientista” também, todos temos curiosidade e queremos ter respostas às nossas perguntas, que normalmente chegam no final da história.
A história da ciência pode ser uma boa fonte de inspiração, porém isso não significa que não se possa alterar um pouco a história original ou incluir um pouco mais de fantasia, principalmente se a história for dirigida para os mais pequenos. O Hippo é um bom exemplo, embora seja mais recente, serve para demonstrar como se pode jogar com a criatividade. É a história de um cavalo-marinho com vontades humanas, em missão pelo mundo, pela protecção dos oceanos. O Hippo, nas suas aventuras, apresenta a biodiversidade que existe em diferentes locais e por que devemos protegê-la. O mais importante na introdução da fantasia é que os objectivos pedagógicos estejam bem delimitados, fazendo com que a história cumpra o seu objectivo.
Se isso for muito desafiador podemos sempre pegar em mitos existentes, que também são histórias por si só, e tentá-los desconstruir à luz da (história da) ciência. Por exemplo existem outras criaturas marinhas fantásticas (e com esta história também se pode apelar à sua conservação), que outrora foram confundidas como sereias: os manatins.
Temos muita tendência a ignorar aquilo que a história nos conta e nos ensina. E também temos tendência de a afastar da ciência. É descartada muitas vezes por ser aborrecida, por ser preciso decorar datas, factos e contextos sociais. Mas a história tem muitas lições para nos dar: tais como viver em sociedade, que erros foram cometidos e que não devemos repetir… Mas também pode dar (boas) lições de ciência.
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