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Estudar música para quê?

Estudar música tem muitos benefícios. Em primeiro lugar, é essencial para nos dar a conhecer outros caminhos para além daqueles a que tínhamos acesso sozinhos (e quanto mais sabemos percebemos que menos sabemos). É também aprender uma língua, que facilita muito a comunicação entre músicos

Texto de Cristina Rogeiro


São raros os estudantes de música que nunca foram questionados com um “mas estudar música faz mesmo diferença para seguir uma carreira?”. É possível ser artista sem estudar música? Sim. É possível ser músico sem estudar música? Sim, mas é menos provável do que um artista que nunca estudou música ser artista. Mas o que diferencia o artista do músico? O primeiro é capaz de ser mais difícil de definir do que o segundo.


O músico pode ser um instrumentista, um arranjador, um compositor. Adapta-se a diferentes projetos e não tem que ser necessariamente um criador de conteúdo. Um artista é um produtor de arte. Por isso, é tão comum termos artistas de sucesso que nunca estudaram música rodeados de músicos, porque eles juntam as peças do primeiro e organizam-nas levando-as para outro nível. Se o artista o podia fazer sozinho? Claro que sim, e há muitos que o fazem, aliás alguns são músicos também, mas o primeiro caso é, de facto, muito comum, especialmente em Portugal.


Depois desta primeira distinção podemos começar a olhar para os autodidatas e estudantes de música. As diferenças entre eles não são lineares nem facilmente generalizáveis, mas é possível tentar distingui-los de alguma maneira, principalmente pela forma como encaram a música.


Alguém que tem um talento natural e que o trabalhou de forma autodidata poderá ser mais intuitivo. Por exemplo, durante um solo não vai estar a pensar em nada, vai ouvir a harmonia e preenchê-la com uma melodia, e saberá como vai soar cada nota antes de a tocar. Não se baseia em escalas e em notas que já sabe que vão ficar bem porque estão dentro da regra.


No entanto, aquele que faz as coisas simplesmente porque lhe soam bem e não sabe dar-lhes nomes poderá acabar por arranjar as mesmas soluções de sempre. Para contornar isto é importante aprender aquilo que se calhar não nos seria tão natural fazer, porque pode acabar por tornar-se intuitivo mais tarde, aumentando o nosso leque de opções.


Por outro lado, há estudantes de música que têm a mesma abordagem e que desenvolveram essa intuição. Mas é natural que alguém que tenha sido “ensinado a improvisar” acabe por não o fazer de forma realmente livre, mas sim de uma maneira mais matemática. A verdade é que um primeiro contacto com o instrumento sem dar nomes às coisas é muito importante, porque isso quebra a barreira com o mesmo. Por isto mesmo é tão interessante o percurso de alguém que durante muito tempo não estudou música mas que sempre ouviu e tocou e que mais tarde procura, então, saber dar um nome e conhecer profundamente esta arte.


Estudar música tem muitos benefícios. Em primeiro lugar, é essencial para nos dar a conhecer outros caminhos para além daqueles a que tínhamos acesso sozinhos (e quanto mais sabemos percebemos que menos sabemos). É também aprender uma língua, que facilita muito a comunicação entre músicos, sendo essencial se o objetivo é acompanhar outros artistas, tocar em orquestras, etc. Por fim, tal como em qualquer área estudar a fundo vai sempre criar valor, ainda que alguns acreditem que isso possa desvirtuar.


Dependendo do objetivo de cada um fará mais sentido ou não estudar música. Se o meu propósito é acompanhar vários artistas tenho que estar confortável em tocar tudo o que me é proposto. Para isto é muito importante estudar, mas também habituar-me a ouvir todo os géneros, porque em Portugal podemos escolher apenas entre a música clássica e o jazz. O jazz por treinar especialmente o ouvido e dar muito valor à improvisação, será aquele que dá maior abertura para tocar outros estilos. Mas como em qualquer área, o aluno que procura saber mais para além de um programa acabará sempre por se destacar. Se queremos tocar um tipo de música temos que ouvi-lo e percebê-lo e não achar que só porque tocamos coisas tecnicamente mais difíceis vamos saber tocar tudo. Cada estilo musical vai ter algo diferente que vai para além da técnica.


É preciso compreender as particularidades de cada um. Se quero ser professor, maestro, compositor, é importante estudar também. Se quero ser um artista cantautor, que escreve as próprias músicas, que quer desenvolver um estilo próprio, talvez não seja essencial, no entanto é sempre um plus. Poderá tornar-me mais autónomo e ajudar-me a encontrar soluções mais arrojadas. É importante ter a humildade de perceber que podemos sempre aprender e que não vamos saber tudo sozinhos.


Mas a verdade é que, no final de tudo, o que importa é a música e ninguém vai querer saber se temos uma licenciatura ou não. Nada é certo, e então na arte mais difícil é definir um caminho para o sucesso. Dito isto, diria que desenvolver o ouvido e a sensibilidade musical é o mais importante, porque isso é que nos torna verdadeiramente livres, e a arte só pode ser livre.


Alguns desenvolvem-no estudando música desde pequenos, outros porque ouvem muitos discos desde sempre. Independentemente do caminho, é importante mais tarde poder compreender o que fazemos para mais facilmente comunicar e sermos estimulados por mais formas de fazer aquilo que gostamos ( se houver essa possibilidade).

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