Se estivermos certos de que há um infinito número de outras civilizações, e mesmo que apenas uma fração delas esteja a enviar ondas de rádio ou outros modos de comunicação, não deveríamos ter já detetado algum sinal? Tal nunca aconteceu. Nem uma vez. Nunca.
Crónica de Afonso Abecasis Gomes
Todos nós sentimos algo quando, numa noite calma e num sítio afastado, olhamos para cima e vemos um céu repleto de estrelas: alguns sentem a tradicional beleza épica face à enorme escala deste universo, outros um colapso existencial, seguido dum comportamento estranho que perdura por algumas horas. Mas todos sentimos algo.
Até o físico Enrico Fermi o sentiu, questionando-se: "Onde estão todos?"
Ora, um céu coberto de estrelas parece-nos vasto, gigante. No entanto, tudo o que estamos a olhar apenas faz parte da nossa vizinhança. Nas melhores noites, podemos ver até cerca de 2500 estrelas, e quase todas elas estão a menos de 1000 anos-luz de nós. Portanto, o máximo que conseguimos ver é um pequeno ponto, numa pequena zona da Via Látea.
Quando confrontada com este tema, uma pergunta que recai sobre a humanidade é: “ existe ou não vida inteligente lá fora?" Vamos colocar alguns números nisto...
Por cada estrela que existe na nossa galáxia (100 a 400 mil milhões), existe aproximadamente um número igual de galáxias no universo observável. Ou seja, por cada estrela da Via Látea, há uma galáxia inteira lá fora. Para percebermos melhor a dimensão disto, quer dizer que, por cada grão de areia de todas as praias do nosso planeta, existem cerca de 10000 estrelas.
Grande parte dos cientistas não está totalmente de acordo sobre qual é a percentagem dessas estrelas que são “semelhantes” ao nosso Sol – em tamanho, temperatura ou luminosidade – pelo que a variação é de 5% a 20%. Se tivermos em conta as estimativas mais conservadoras – 5% - isso dá-nos cerca de 500 quintiliões de estrelas parecidas com o Sol.
Há também um debate sobre qual a percentagem dessas estrelas semelhantes ao Sol que podem ser orbitadas por um planeta semelhante à Terra (um com condições de temperatura semelhantes para a existência de água líquida, potencialmente suportando vida semelhante à da Terra). Alguns dizem que é de 22% até 50%. Se pegarmos novamente na estimativa mais conservadora, temos 1% do total de estrelas no universo observável orbitadas por um planeta possivelmente habitável como a Terra. Ou seja, por cada grão de areia na Terra há cerca de 100 planetas parecidos.
Depois disto, é impossível deixar a especulação. Imaginemos que, após milhares de milhões de anos de existência, 1% dos planetas parecidos com a Terra desenvolvem vida. E imaginemos que em 1% desses planetas, a vida desenvolve-se para um nível inteligente como na Terra. Isso significaria que teríamos 10 quadriliões de civilizações inteligentes no universo observável.
Replicando esta lógica agora na nossa galáxia, numa estimativa conservadora (100 mil milhões estrelas), o resultado são cerca de mil milhões de planetas parecidos com a Terra e 100000 civilizações inteligentes na Via Látea.
Se estivermos certos de que há esse número de civilizações, e mesmo que apenas uma fração delas esteja a enviar ondas de rádio ou outros modos de comunicação, não deveríamos ter já detetado algum sinal?
Tal nunca aconteceu. Nem uma vez. Nunca.
Isto fica mais estranho. A verdade é que o nosso Sol é relativamente jovem face à idade do universo. Há estrelas muito mais antigas, com planetas parecidos com a Terra muito mais antigos o que, em teoria, deveria significar civilizações muito mais avançadas do que a nossa.
A tecnologia e o conhecimento duma civilização apenas 1000 anos à nossa frente poderia ser tão chocante para nós como o nosso mundo seria para uma pessoa da Idade Média. Já uma civilização com 1 milhão de anos à nossa frente poderia ser tão incompreensível para nós como a cultura humana é para os chimpanzés.
Neste sentido temos um método – a Escala de Kardashev – que nos ajuda a agrupar civilizações inteligentes em três grandes categorias pela quantidade de energia que estas consomem:
. Uma civilização do tipo I, com a capacidade de usar toda a energia do seu planeta. A humanidade está perto de alcançar este nível.
. Uma civilização do tipo II, com a capacidade de usar toda a energia da estrela que orbita.
. Uma civilização do tipo III, com a capacidade de usar a energia de toda uma galáxia.
Se este nível de avanço parece difícil de acreditar, basta lembrar o tempo que o universo tem. Se uma civilização fosse capaz de sobreviver até ao nível do tipo III, o pensamento natural é que provavelmente dominaria viagens interestelares. Se 1% da vida inteligente fosse capaz de sobreviver até se tornar neste tipo III, então deveria haver cerca de 1000 civilizações deste tipo só na nossa galáxia. Dado o seu desenvolvimento, a sua presença seria provavelmente percetível. Mas voltamos ao mesmo: não vemos nada, não ouvimos nada, não sabemos nada.
Então, onde é que está toda a gente? Bem-vindos ao Paradoxo de Fermi.
Não há nenhuma resposta para este problema — o melhor que temos são possíveis explicações. E se perguntarmos a 10 cientistas diferentes a sua perspetiva sobre esta questão, teremos 10 respostas diferentes.
Ao debruçar-nos sobre as explicações mais discutidas, 3 destacam-se, todas elas pertencentes ao mesmo grupo – aquele que assume que não há nenhum sinal lá fora porque não há ninguém lá fora. Os defensores destas explicações focam-se na matemática, na medida em que esta diz que deve haver tantos milhares (ou milhões) de civilizações superiores, que pelo menos uma delas teria de ser uma exceção à regra, onde nós depois tivéssemos consciência da sua presença.
Neste caso, e segundo este grupo, não existem civilizações avançadas. E como a matemática sugere que há milhares delas espalhadas pelo universo, algo maior deve estar a acontecer.
Esse algo maior é o chamado Grande Filtro.
A teoria do Grande Filtro afirma que, algures entre a pré-existência de vida e o desenvolvimento do tipo III, há uma parede sobre a qual todas, ou quase todas, as tentativas de sucesso e avanço da vida chocam. Há uma barreira nesse longo processo de evolução, que torna extremamente improvável ou impossível da vida ir mais além. Essa barreira é o Grande Filtro.
Se esta teoria for verdadeira, a grande questão é: onde, na linha do tempo, é que ocorre o Grande Filtro?
Acontece que, quando se trata do destino da humanidade, esta questão é importante. Dependendo de onde ocorre o Grande Filtro, ficamos com três possíveis realidades: 1 - somos raros; 2 - somos os primeiros; 3 - estamos lixados.
1. Somos Raros (O Grande Filtro está atrás de nós):
Uma das esperanças que temos é que o Grande Filtro esteja atrás de nós - conseguimos ultrapassá-lo, o que significaria que é extremamente raro para a vida chegar ao nosso nível de complexidade. Este cenário explicaria porque não existem civilizações do tipo III, mas também significaria que poderíamos ser uma das poucas exceções agora que chegamos até aqui.
E se formos especiais, quando é que nos tornámos especiais? Ou seja, qual foi o passo que ultrapassámos no qual todos os outros ficaram presos? Uma possibilidade é o Grande Filtro poder estar no início - ser incrivelmente incomum surgir sequer vida. Esta é uma explicação sensata, uma vez que levou cerca de mil milhões de anos da existência da Terra para isso finalmente acontecer. Se este é realmente o Grande Filtro, então não só não há vida inteligente lá fora, como pode não haver outra vida de todo.
2. Somos os Primeiros:
Se o Grande Filtro não está atrás de nós, a única esperança que temos é que as condições no universo sejam recentes e permitam, pela primeira vez desde o Big Bang, chegar a um lugar onde a vida inteligente se possa desenvolver. Nesse caso, nós e muitas outras espécies podemos estar a caminho da super-inteligência, e isso simplesmente ainda não aconteceu.
Da mesma forma que demorou algumas centenas de milhões de anos até que os asteroides e vulcões morressem e a vida se tornasse possível, poderia ser que o primeiro pedaço da existência do universo estivesse cheio de eventos cataclísmicos que impediria que qualquer vida se desenvolvesse para além de uma determinada fase. Talvez estejamos agora no meio duma fase de transição e esta é a primeira vez que qualquer vida foi capaz de evoluir por um tempo tão longo e ininterrupto.
3. Estamos lixados (O Grande Filtro está à nossa frente):
Se não somos raros nem chegámos primeiro, a conclusão é a de que o Grande Filtro deve estar à nossa frente. Isto sugere que a vida evolui frequentemente até onde nós nos encontramos, mas que algo impede que esta vá muito mais longe e atinja proporções, em quase todos os casos - e é pouco provável que nós sejamos uma exceção.
Um possível Grande Filtro é um evento natural catastrófico que ocorre regularmente em todo o lado e é apenas uma questão de tempo até que toda a vida na Terra seja subitamente destruída por evento destes. Outra opção pode ser a inevitabilidade de que quase todas as civilizações inteligentes acabam por se destruir assim que um certo nível de tecnologia é atingido.
Foi neste contexto que o filósofo da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, uma vez disse que "nenhuma notícia é uma boa notícia". A descoberta de vida simples em Marte seria devastadora, porque cortaria uma série de potenciais Grandes Filtros atrás de nós. E se encontrássemos vestígios de vida complexa em Marte, por exemplo, Bostrom disse que essa seria de longe “a pior notícia alguma vez publicada numa capa de jornal", porque significaria que o Grande Filtro está quase definitivamente à nossa frente — acabando por condenar a nossa espécie.
Parece que, quando se trata do Paradoxo de Fermi, o melhor seja o silêncio da noite, cheio de estrelas, de perguntas e de poucas respostas.
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