Uma pandemia que pôs grande parte do globo em confinamento não foi suficiente para fazer retroceder as emissões de gases com efeito de estufa em todo o globo. Business as usual. O que parece ser uma grande vitória económica continua a ser uma derrota a todos os níveis para o ambiente.
de Francisco Paupério
Em 2019, enviámos cerca de 35 gigatoneladas de dióxido de carbono para a atmosfera. Actualmente estimamos emitir cerca de 42 gigatoneladas. O que parecia a continuação de uma história de terror para as novas gerações parece ter encontrado numa guerra cruel um resto de esperança. A dependência energética da Europa Central e de Leste face à Rússia permitiu a grande parte destes países não investir no sector energético, mantendo preços baixos de importação, desvalorizando o facto de grande parte da energia ainda estar dependente de combustíveis fósseis e de alimentar um regime oligarca como o russo.
Curiosamente foi o despoletar da guerra que trouxe de volta os temas da energia e segurança e a discussão de qual será o futuro da Europa se não obtiver independência de recursos energéticos. Nesta discussão, o nuclear volta a aparecer e a verdade é que o gás natural (um combustível fóssil) e a energia nuclear foram declaradas, pela União Europeia, como passíveis de investimentos designados “verdes”.
Logo, se investirmos em gás natural vamos ter acesso a todos os fundos do Pacto Ecológico Europeu, assim como do PRR e de todos os fundos verdes. Temos 27 anos para passar a ter um saldo negativo de emissões (reduzir de 42 Gt de carbono para capturar carbono anualmente) e continuamos a investir em sistemas energéticos deficientes e poluentes. Já a energia nuclear, para além do lixo radioativo que gera, tem o problema de serem necessárias décadas desde planeamento e construção até à sua utilização.
Mais uma vez, agimos com soluções temporárias, em vez de pensar de forma sistémica sobre assuntos tão importantes e impactantes. Esta será a última oportunidade de entrarmos no caminho do Fit for 55 (reduzir 55% das emissões até 2030, quando comparado a 1990), no Net Zero by 2050 (ter um saldo neutro de emissões e captura de carbono) e todos os outros programas/metas que os nossos países gostam de fazer. Não tenham dúvidas, é mesmo a última oportunidade.
Em Portugal, temos uma das Leis de Bases do clima mais ambiciosas e vanguardistas do mundo. Para além disso, teremos acesso a dinheiro europeu para proceder à transição energética e digital. O que vai ser feito nesta legislatura de 4 anos vai impactar o futuro das nossas gerações a nível ambiental de forma decisiva. E começamos logo mal. Assim que a guerra começa, o preço da energia sobe e os impostos verdes voltam à discussão como parte do problema.
Há passos que uma vez dados não permitem que se volte atrás. O fecho das centrais a carvão de Pego e Sines, para além de simbólico, mostrou ao país e ao mundo para onde queremos caminhar e que sociedade idealizamos. A solução nunca poderá passar pela sua reactivação, a não ser claro, em contexto de emergência, algo que ainda não está em cima da mesa. No entanto, assim que os combustíveis aumentam de preço, há um retrocesso que é impensável no contexto actual. A redução de impostos ambientais para os combustíveis ou para empresas devia ser uma linha vermelha à qual não se pode voltar.
No seguimento da crónica anterior, um dos impostos mais consensuais em toda a comunidade académica e política é este tipo de imposto. Estes impostos não são a causa do problema. A causa do problema é a inércia dos últimos 50 anos em planear um sistema energético capaz, justo e limpo para a União Europeia.
Talvez seja altura de medidas impopulares, com vista ao bem comum. O que está em causa para a população portuguesa é que o fim do mundo vem depois do fim do mês. Liderar é estar atento aos dois e tomar decisões, por vezes difíceis, a nível mais imediato, com impacto positivo no futuro. E Portugal consegue fazer mal as duas coisas.
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