Para quando debates presidenciais?
- Crónico.
- 14 de jan. de 2021
- 4 min de leitura
Assistimos ao longo da semana discussões centradas nas bases ideológicas dos partidos e outras matérias que não têm a ver com os poderes PR
Crónica de Francisco Lemos de Araújo
Licenciado em Direito e estagiário

A campanha para as eleições presidenciais que se vão realizar no próximo dia 24 de Janeiro (votem!) tem sido bastante menos entusiasmante do que se esperava.
Por um lado, a pandemia não permite grandes eventos - os típicos almoços, as arruadas, entre outras festividades eleitorais a que os (políticos) portugueses se foram habituando. Por outro, todos esperavam pela confirmação da recandidatura do actual Presidente e, quando este a anunciou, a certeza que se instalou de que Marcelo Rebelo de Sousa seria reeleito à primeira volta não ajudou a animar a campanha.
Assim, de forma a dar um bocadinho de vida às Presidenciais 2021 e tentar informar os portugueses, decorreram uma série de debates entre os candidatos (sem esquecer que entre os dias 17 e 22 de Janeiro, Vitorino Silva irá debater outra vez com todos os candidatos no Porto Canal).
Entre os dias 4 e 9 de Janeiro, os candidatos fizeram debates um-a-um, onde puderam confrontar os seus adversários sobre o que cada um entende que deve ser o papel do Presidente da República e como usariam os poderes que lhe são atribuídos - que correu mal durante o actual mandato, o que fariam de diferente ou o que fariam de igual.
No dia 12 de Janeiro, a RTP recebeu os candidatos para um debate entre todos, ao estilo “salve-se quem puder”, que se realizou num tom relativamente calmo, com ataques pontuais ao atual PR. Começou com a discussão sobre o adiamento das eleições para, em seguida, se focar nos mesmos temas que tinham sido discutidos ao longo da semana passada.
Mas, depois destes debates, com muitas perguntas e respostas, ainda me questiono: para quando um debate focado nos poderes presidenciais?
Os debates frente a frente começaram mal, desde logo pelas suas regras e moderação. Definir cerca de meia hora para um debate presidencial, dando a cada candidato cerca de 15 minutos para defender a sua candidatura e questionar a dos outros é manifestamente insuficiente. E, como se o tempo não fosse escasso, os moderadores não centraram as discussões nos poderes da presidência. Aqui, das duas uma, ou os moderadores não conhecem os poderes do PR, ou conhecem e preferem não fazer perguntas sobre eles.
Qualquer que seja a resposta, é grave.
Partindo daqui, os candidatos foram também incapazes (alguns talvez propositadamente) de centrar o debate no que interessa.
Assistimos ao longo da semana discussões centradas nas bases ideológicas dos partidos, em temas da competência do Governo, sobre o sistema de saúde, política fiscal, sobre o processo de reestruturação da TAP, demissões de ministros, a ilegalização do Chega (cuja competência é do Tribunal Constitucional) e outras matérias que não têm a ver com os poderes presidenciais. Já para não falar das falsidades que foram ditas com a convicção de que são verdades absolutas, na tentativa de enganar quem possa andar desatento (mas isso é outro tema).
Bem sei que os poderes e funções do Presidente da República podem não ser tão visíveis ou “palpáveis” para a população como são as do Governo ou das Autarquias, mas existem e foram pouco discutidos ao longo desta campanha.
O PR tem o poder importantíssimo de promulgar/vetar leis e pouco se falou disso. Praticamente não se discutiram as leis que passaram pelas mãos do actual Presidente (ou de outras que possam surgir), se os candidatos as promulgariam ou vetariam e porquê.
Num dos escassos momentos em que isso aconteceu – quando Marcelo Rebelo de Sousa perguntou a Tiago Mayan Gonçalves que leis vetaria que ele não tenha vetado –, o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal até deu um exemplo, mas não explicou qual a reserva constitucional que levantaria para sustentar o veto, o que seria um ponto essencial.
Falou-se da magistratura de influência que o PR pode exercer sobre os demais decisores políticos. Alguns candidatos abordaram isto como sendo um poder quase absoluto, em que o PR fala e o milagre acontece.
Naturalmente, o PR tem uma influência sobre a condução da política interna do país, mas trata-se apenas disso: influência. O PR não pode, ao contrário do que alguns quiseram fazer parecer, obrigar membros do Governo a demitir-se ou de obrigar à inclusão na agenda política certas reformas. A palavra do PR tem um grande peso, mas não é absoluta. E quando se pergunta aos candidatos sobre que influência estes pretendem exercer, vários foram os casos irrealistas em que parecem prometer conseguir este mundo e o outro.
Por fim, pouco se abordou o papel de Portugal no contexto internacional. Sendo o PR o representante máximo da República Portuguesa, tem um papel essencial nas relações de Portugal com os demais países e instituições internacionais – o PR pode e deve ser o maior embaixador de Portugal.
Acho incompreensível não se discutir a visão dos candidatos no que respeita a temas como, por exemplo, as alterações climáticas, a situação de Cabo Delgado, as relações com os restantes países da CPLP e as migrações.
Deixo, assim, a questão no ar – qual o papel que Portugal e, em especial, o Presidente da República deve ter nestas matérias?
Pela falta de discussão destes e outros temas, três possibilidades me vêm à cabeça:
A primeira é a de que existem candidatos presidenciais que desconhecem os poderes do cargo a que se propõem.
A segunda, que, conhecendo os poderes, não têm uma visão para os mesmos, não têm uma ideia sobre como os exercer.
Terceira, que alguns apenas se candidataram para usar as eleições presidenciais para discutir os programas dos seus partidos para as autárquicas e legislativas. Infelizmente, algumas candidaturas conseguiram combinar as três.
Por isto, digo que os debates a que assistimos não foram debates sobre poderes presidenciais. E quem ficou a perder com isso foram, como sempre, os portugueses.
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