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Porque é que é tão difícil mudar a educação?

O que pode explicar que, perante tantas mudanças no mundo do trabalho, nas conclusões da ciência e na forma como vivemos, tão pouco tenha mudado na Educação? O fenómeno não é apenas português, contudo, é possível que as características singulares do nosso país reforcem essa dificuldade em mudar. Torna-se cada vez mais difícil perceber as dificuldades que existem em discutirmos novos caminhos. Ou melhor, talvez não seja assim tão difícil percebê-las. E melhor ainda, talvez cada um de nós possa fazer alguma coisa em relação a isso.

de Nuno Can



Indo indireto ao assunto, porque nos atalhos se perde a importante arte da divagação, durante 1300 anos, a China recrutou políticos e burocratas, com base num exame que se mantinha: recitar clássicos e obedecer aos mais velhos. Para os mais ricos, este exame representava a possibilidade da próxima geração manter essa mesma riqueza e deter algum poder. Para os mais pobres, representava uma possibilidade de ascensão social. Assim, todos os anos, os jovens chineses dedicavam o seu tempo à preparação para este exame.


É fácil perceber que acabaria por faltar rasgo e capacidade técnica aos gestores públicos chineses e que isso acabaria por atrasar o país. Afinal, perante a necessidade de construir uma ponte ou gerir o dinheiro público, saber recitar o provérbio confuciano "O silêncio é um amigo que nunca trai", acaba por não ser útil. É provável que durante séculos e sob diferentes Imperadores e regimes muitos tenham pensado num sistema melhor, porém, ninguém o mudou.

Quando finalmente transformaram o sistema, para tentar competir com um Japão que se ocidentalizava, aqueles que já se preparavam para se sentar nas melhores cadeiras viram-se no chão e revoltaram-se, fazendo cair um Império com mais de 250 anos. Não quer isto dizer que as revoltas apenas tenham acontecido por causa do fim do exame, mas foi essa mudança que catalisou a insatisfação. As elites políticas e aqueles que esperavam fazer parte delas preferiram um sistema ineficiente que funcionasse para eles próprios do que a mudança. E esta ideia é quase sempre menos caricatural e mais verdadeira nas nossas sociedades.


O "recrutamento das elites" é a forma como uma sociedade escolhe pessoas com capacidade de influenciar decisões que nos interessam a todos. Geralmente, é um termo aplicado a decisores políticos, no entanto, podemos aqui falar daqueles que têm acesso ao poder nos meios político, financeiro ou académico. Em Portugal poderíamos ainda falar da religião ou do desporto, sendo a grande especialidade lusitana o acumular de poder em todos estes meios pelas mesmas pessoas. E talvez seja precisamente essa a característica que dificulta a mudança na forma como escolhemos quem fará parte desses grupos nos próximos anos.


Esta história não é a típica narrativa dos ricos contra os pobres, ou dos poderosos contra os fracos. Esta é uma história que revela o nosso apego a políticas públicas pouco eficientes, especialmente quando se trata de criar e distribuir as oportunidades do futuro, e que somos mais rápidos a tentar inverter o jogo a nosso favor do que a tentar mudar as regras do jogo. Posteriormente, se tivermos sucesso nessa tarefa, acabamos por ser defensores de regras que sabemos serem erradas.

Numa sociedade como a de hoje, em que o trabalho se confunde com o capital, algo que dá origem aos termos capital humano ou economia do conhecimento, a Educação poderia funcionar de duas formas: na primeira, por meio do aumento da produtividade, permitiria que todos vivêssemos francamente melhor. Da segunda, resultaria que, através do trabalho, fosse possível ascender socialmente, sem para isso ser necessário uma sorte ou um talento especial.


Sabemos uma série de coisas sobre Educação, Economia e o cruzamento de ambas, seja a partir de estudos sobre a maior dos países ou sobre estudos sobre o nosso próprio país. Sabemos que investimos menos do que devíamos em Ciência, que temos o corpo docente envelhecido e que é mais fácil entrar na Universidade se não formos pobres e se a nossa mãe for licenciada. Sabemos que retiramos oportunidades às crianças, especialmente as mais pobres, sempre que elas não estão na escola, como nas férias. Sabemos que há uma tendência global para aumentar o fosso entre o investimento em Educação entre famílias ricas e pobres.


Sabemos que tudo isto contribui para um atraso relativo, mas somos quase sempre incapazes de mudar estas regras ou pelo menos discuti-las. Dizer que nada se fez ou olhar para escolas e universidades portuguesas e ver uma catástrofe é desonesto e alimenta debates sem conclusões. Da mesma forma, olhar para os raros exemplos em que o elevador social funcionou ou em que produzimos avanços e retratá-los como contos de fadas também não é solução.


Não culpemos apenas os políticos, porque os maiores interessados sobre o assunto somos nós, e nada fazemos para mudar isto. Se fazemos parte daqueles que, tendo acesso a uma boa Educação, à Universidade e mais tarde às cadeiras aconchegantes dos lugares de decisão e influência, em princípio, não somos diferentes dos chineses que durante 1300 anos passaram por um exame pouco razoável e que, depois de terem tido sucesso, escolheram a inércia. Se fazemos parte do outro grupo, então, em geral, torna-se difícil interessarmo-nos por um tema que não nos parece nosso: as cadeiras que alguém reservou para outros. Independentemente do grupo a que pertençamos, este processo tem consequências para o desenvolvimento do país, para a quantidade e para a distribuição de oportunidades, por isso, é uma discussão que temos de ter.


Somos nós, os mais jovens, que temos de contribuir para um debate inclusivo, que deixe cair preciosismos, focado nas mudanças em que concordamos e não nos empecilhos em que discordamos, e que nos permita reivindicar à sociedade mais oportunidades no presente para que as possamos devolver no futuro.

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