Sincopado #2 - Juventude é mentalidade como já dizia Samuel Mira
- Crónico.
- 9 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
O Sincopado traz-nos a história de Geraldo Junior Maceió, um músico brasileiro que trocou as turnés mundiais pela correria de apanhar o autocarro para a faculdade de Jazz, tudo para concretizar o seu maior sonho.
Artigo de Cristina Bokor Rogeiro
Cantora e estudante da Escola Superior de Música de Lisboa
Junior Maceió - de Santa Luzia para o mundo
Geraldo Junior, saxofonista brasileiro natural de Maceió (Nordeste do Brasil) viveu o sonho de muitos brasileiros e portugueses, mas veio para Portugal viver o seu sonho há muito tempo adiado: estudar numa faculdade de jazz. Nasceu na cidade de Santa Luzia em 1977, em Alagoas, e foi criado pela mãe que desde sempre lhe proporcionou um ambiente musical em casa, sendo a grande inspiração de Junior antes de todos os artistas e familiares músicos com quem contactou.
Começou a sua carreira na Bahia, por volta dos 20 anos com o grupo de muito sucesso na altura no Brasil e em Portugal, “Harmonia de Samba”, embarcando em turnés mundiais. Passou por Portugal pela primeira vez em 2003 com a banda de pagode baiano com a qual regressou duas vezes. A partir de 2011, atuou também no Rock in Rio Lisboa com Ivete Sangalo, artista que acompanhou durante 6 anos. Através destas viagens Júnior começou a criar uma relação muito bonita com Portugal.

O saxofonista teve uma carreira fascinante, trabalhando com muitos artistas no Brasil para além de Ivete Sangalo, desde Claudionor Germano, Saul Barbosa, Banda Eva a Daniela Mercury, Timbalada, Jammil, Jau e Carlinhos Brow, entre outros tantos. No entanto, o sonho de sair do país e estudar jazz continuou consigo sempre a crescer, estando apenas a ser adiado pelas grandes turnés, nas quais chegava a fazer 20 concertos por mês, durante o ano inteiro.
Quando se mudou para São Paulo teve acesso a todo o tipo de música desde o pop, salsa, tango e merengue ao jazz, e começou a tocar nas big bands. Foi nesta altura, depois de conversar com uma amiga brasileira que vivia em Portugal uma nova aventura, que decidiu que aquela era a hora certa. O músico, surpreendendo todos os brasileiros, demitiu-se da banda de Ivete Sangalo, que sempre o apoiou, e veio para Portugal seguir o sonho.
Chegado ao outro lado do Atlântico Júnior passou a frequentar o Hot Club, todas as semanas, não para tocar mas para ouvir jazz e aprender. Foi numa destas noites que conheceu o saxofonista Ricardo Toscano, com o qual construiu uma forte amizade que mantém até hoje. Foi Toscano que o introduziu às bases do jazz, o incentivou e nele acreditou até em 2020 fazer a prova de admissão para a Escola Superior de Música de Lisboa e poder dizer “Mãe! Consegui! Estou na faculdade!”, com 43 anos.

Júnior é o símbolo da humildade e do respeito pelos músicos e a música à sua volta, tudo isto fruto, provavelmente, de toda a bagagem de vida e de mundo que traz consigo para esta nova aventura em Portugal. Maceió já trabalhou com os grandes da indústria, mas procura sempre aprender com cada um com quem se cruza, mesmo que sejam colegas de faculdade que nem eram nascidos no início da sua carreira. Entra no autocarro como um jovem entusiasmado a caminho do seu primeiro dia de aulas e quem está à sua volta nem sonha que já o viu tocar tantas vezes no Rock in Rio ou no carnaval do Brasil. Júnior tem uma sede enorme de aprender e é a prova de que juventude é mentalidade, como já dizia Sam The Kid e, apesar de ser discreto a sua musicalidade, não deixa ninguém indiferente. Maceió irradia felicidade e cada nota sua tem amor, e esse amor é igual numa sala de aula, num auditório com cem pessoas ou num palco perante uma plateia de milhares e é isso que o torna tão especial e inspirador.
Mesmo em Portugal, Júnior não deixa de ser um homem de grandes sonhos. Já pensa num mestrado e tem o grande objetivo de levar a sua aprendizagem para a cidade natal, idealizando uma geração seguinte mais educada musicalmente. Procura criar um núcleo do jazz em Santa Luzia, pois acredita ser um estilo que obriga a ter disciplina e a educar profundamente o ouvido, fornecendo assim tantas ferramentas para qualquer estilo que se queira tocar mais tarde.
Uma feliz coincidência
Apesar de deixar a sua carreira no Brasil, em Portugal conheceu um dueto ao qual se juntou formando os Suite Nordeste, que acabam de lançar o primeiro EP “Voo do Besouro”. São 3 nordestinos, Júnior de Maceió (saxofone), Rogério Pitomba de Natal (baterista) e João Ventura de Aracaju (voz e piano), com formação clássica na Bahia e a fazer o doutoramento em Portugal. Juntos misturam a música popular brasileira com música clássica, jazz, swing, chorinho. Partilham as suas raízes e cruzam os seus destinos trazendo-nos arranjos de temas como “De Onde Vem o Baião” de Gilberto Gil com um pouco de “Nilopolitano” do acordeonista Chiquinho, “O Garçom”, um remix genial do tema de Reginaldo Rossi e do “Voo do Besouro” ( Flight Of the Bumblebee) de Rimsky-Korsakov e originais do próprio João Ventura como “Café” e “Zero a Três”. Um grupo de cair o queixo!

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