No primeiro semestre de 2021, 80% dos novos contratos de trabalho assinados foram precários, isto é, “contratos de prestação de serviço” ou “com termo”. Ao mesmo tempo, Pedro Siza Vieira (então ministro da Economia) celebrava o record de população empregada em Portugal.
de Rebeca Paiva
No total, quase quatro em cada dez trabalhadores portugueses/as têm um contrato de trabalho temporário com a sua entidade empregadora. Quantidade, mas cuja qualidade deixa a desejar. Glorificar mais emprego, ou reivindicar mais condições de trabalho? Vamos a (mais) dados.
Numa perspetiva internacional, Portugal é um dos países com uma das maiores taxas de emprego temporário da União Europeia, tanto para nativos (16.6%), como para imigrantes fora do continente europeu (26.8%) - dados do Eurostat de 2020. Na verdade, estes valores diminuíram face ao ano anterior, redução essa que pode ser explicada pela pandemia, que empurrou muita gente para o desemprego: maioritariamente trabalhadores temporários, mais suscetíveis às dinâmicas dos mercados.
O velho (embora sempre atual) debate sobre o salário mínimo nacional não permite o debate necessário sobre como melhorar as condições e a paridade de poder de compra em Portugal - até porque o salário mediano se está a aproximar do mínimo.
Em 2020, com um SMN de 776€ (considerando 14 vezes o salário mensal de 665€) - Portugal situa-se a meio da tabela entre os 21 estados-membros da UE que possuem um salário mínimo nacional fixo. Por outro lado, o nosso país apresentou um salário médio líquido de 1058 euros, mas apenas 900 de um salário mediano líquido (posição 17º na média da UE-27).
Focando-se especificamente na população mais jovem (entre 15 e 34 anos - um intervalo de tempo considerável), a Fundação Francisco Manuel dos Santos realizou o estudo “Os jovens em Portugal, hoje” em 2020, cujos resultados são pouco animadores.
A nível salarial, quase 3 em cada 4 jovens ganham menos de 950€ líquidos mensais (mesmo aqueles que possuem mais habilitações). Para além disso, metade tem um contrato instável e mais de um quarto pensa diariamente em deixar o emprego. Coincidência ou não, o mesmo estudo refere que cerca de um terço pensa em emigrar.
Há várias definições (e “versões”) de precariedade. Um dos ramos que aqui exploro é a precariedade laboral, que corresponde a uma situação laboral oposta ao contrato de trabalho tradicional que assegura ao trabalhador/a (e não colaborador/a, mas esta discussão fica para outro dia) um trabalho a tempo inteiro, com duração indeterminada e com proteção social (reforma, subsídio de desemprego, férias, licença de maternidade/paternidade, entre outros).
Nesta perspetiva, “trabalho precário” pode estar associado a quatro características: i) Insegurança no emprego; ii) Perda de regalias sociais; iii) Salários baixos; iv) Descontinuidade nos tempos de trabalho. Alguns exemplos - dominantes no nosso país, por sinal - são o trabalho a tempo parcial involuntário (em que os trabalhadores são muitas vezes contratados através de regime outsourcing), contratos a termo (certo ou incerto), trabalho temporário (devido à sazonalidade, por exemplo), “falsos trabalhadores por conta própria”, trabalho ocasional/pontual e trabalho ao domicílio.
Com o alastrar de “novas formas de emprego”, incluindo o trabalho temporário - encontra-se uma relação paradoxal interessante. “Nunca o trabalho foi mais central no processo de criação de valor. Mas nunca os trabalhadores foram mais vulneráveis, já que se converteram em indivíduos isolados subcontratados numa rede flexível, cujo horizonte é desconhecido inclusive para a mesma rede” (Kovács, 1999: 18). Isto surge com o que é a meu ver uma romantização da flexibilidade laboral, alinhada ao “poder de escolha” que estes tipos de contratação (quando existem) permitem, com a contrapartida da perda de direitos laborais e rotina.
Ainda assim, em Portugal a precariedade “mostra-se” principalmente por baixos salários, e não tanto por vínculos laborais: um estudo de 2018 concluiu que um quinto da população portuguesa é pobre, e destes, mais de metade trabalha. Ressalva-se que se considerou “pobre” quem auferia menos de 501,2€ (!) mensais.
Segundo o Eurostat, numa década, os contratos precários aumentaram 1,8%, estando Portugal no segundo lugar dos países que mais subiram da UE, perdendo apenas para a Croácia. Uma das explicações para tal - além da sazonalidade - é o aumento da predominância das economias de plataforma (sendo o nosso país o terceiro líder europeu com mais expressão), em que a precariedade laboral e económica é uma realidade diária para muitos destes trabalhadores.
Se por um lado há quem defenda que uma maior flexibilidade laboral aumentaria a competitividade económica, a verdade é que uma Mixed Market Economy (como a portuguesa) não garante um protecionismo social dos trabalhadores suficiente para uma melhor posição nos rankings europeus. O aumento da flexibilidade laboral e a narrativa do “dono de mim próprio, trabalho quando quero” vieram, na verdade, aumentar a vulnerabilidade laboral.
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