O paradoxo de Fermi aponta para a discrepância entre o enorme número de civilizações estimadas na Via Láctea e a ausência de provas de alguma que não a nossa. “Mas afinal onde estão elas?”, terá perguntado Fermi.
Crónica de Miguel Figueira
Estudante de Engenharia Electrotécnica no IST
Num paper publicado no início do passado mês de março na revista Astrobiology, uma equipa internacional de investigadores apresenta a hipótese de que as descobertas do rover Curiosity indiciam vida passada em Marte. Em questão estão os tiofenos, compostos encontrados em carvão, petróleo ou trufas, que, segundo o líder da equipa de investigação Dirk Schulze-Makuch, podem ter sido produzidos por bactérias residentes no planeta vermelho há cerca de 3 mil milhões de anos.
Ainda que um punhado antigo de trufas marcianas possa parecer insignificante, perante a possibilidade da descoberta de vida extraterrestre, proponho uma pequena reflexão sobre as suas implicações e o porquê de aquela que seria a mais entusiasmante descoberta da nossa época ser uma má notícia, à luz do paradoxo de Fermi.
O paradoxo de Fermi aponta para a discrepância entre o enorme número de civilizações estimadas na Via Láctea e a ausência de provas de alguma que não a nossa. De facto, em 1961, Frank Drake formula a sua famosa equação probabilística que sugere entre 10 mil e 50 milhões de civilizações tecnologicamente avançadas! “Mas afinal onde estão elas?”, terá perguntado Fermi.
Uma solução proposta, a “Zoo Hypothesis”, especula que as civilizações avançadas evitam revelar-se à terrestre para a observar à semelhança de animais no jardim zoológico ou experiências de laboratório, o que não soa agradavelmente. Mas repare-se que nós humanos dispomos dos outros seres vivos segundo a nossa vontade e para uma civilização capaz de viagens interestelares observar-nos seria como, para nós, observar moscas e formigas.
É também no contexto do paradoxo de Fermi que surge o conceito de Grande Filtro, um obstáculo intransponível que, a certa altura, impede uma civilização de evoluir. E quando me refiro a “um obstáculo” ou “impedir de evoluir”, implico “extinção absoluta” e “aniquilar totalmente”. Estaria assim explicada a ausência de contacto com outras civilizações. Algures na sua evolução encontraram este “Grande Filtro” e extinguiram-se, caso contrário discos voadores pululavam por toda a galáxia.
Ora e a nossa civilização?
Há dois cenários: ou fomos os sortudos que já ultrapassaram o Filtro, ou este ainda nos espera inevitavelmente. O pior caso seria encontrar ruínas de civilizações extraterrestres, o melhor que o universo permanecesse silencioso.
Infelizmente, a descoberta de vida extraterrestre não traria boas notícias. Concluiríamos que a vida pode aparecer espontaneamente, mas que a certo nível se extingue sempre. Por outras palavras, que o Grande Filtro está ainda à nossa frente.
Michio Kaku afirma que a humanidade se encontra na encruzilhada entre evoluir para uma civilização planetária ou auto-aniquilar-se, ou, mais formalmente, “ou evoluímos ou vamos desta para melhor, se não for a covid-19, não faltará muito com certeza". O físico aponta os avanços tecnológicos e as suas más aplicações como o principal perigo, por exemplo armamento mais poderoso, alterações climáticas ou inteligência artificial.
Concluo este apontamento com um tom de realismo otimista: “Extraordinary claims require extraordinary evidence”, como disse Carl Sagan, o que se aplica não só à descoberta de vida extraterrestre, mas também aos maus augúrios do Grande Filtro e autodestruição. Quero com isto dizer que as hipóteses sobre vida alienígena, até prova definitiva, são apenas hipóteses e que o aterrorizante conceito do Grande Filtro e a implícita extinção podem não passar de ficção. Cabe-nos garantir que o avanço tecnológico não signifique o nosso fim, mas uma evolução como civilização e sociedade, para que possamos descobrir vida por esse universo fora e preservar a que temos aqui.
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