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Uma história do Dia do Trabalhador

O Dia Mundial do Trabalhador relembra-nos a importância dos direitos dos trabalhadores e do direito que estes têm de os reivindicar. Em paralelo, esta crise vem-nos mostrar que os direitos conquistados pelos trabalhadores nunca são suficientes.


Indústria de Detroit, Diego Rivera

Crónica de João Moreira da Silva

Estudante de Direito na FDUL




No 1º de Maio de 1886, milhares de trabalhadores espalhados pelos Estados Unidos da América juntaram-se em manifestações. Reivindicavam um dia de trabalho de oito horas - eight-hour day with no cut in pay’. Estima-se que se juntaram entre trezentos a quinhentos mil trabalhadores por todo o país.





A cidade de Chicago, um dos principais pólos da revolução industrial americana e um dos grandes centros sindicais (conhecidos pelas suas tendências políticas socialistas e anarquistas), foi palco de um dos mais acesos protestos dessa manifestação nacional. A história que vou contar passa-se precisamente nesta cidade.


No dia 4 de maio de 1886, cerca de 3000 manifestantes estavam reunidos no Haymarket Square. Já passava das 22h e Samuel Fielden, um dos ativistas dos protestos, estava a discursar sobre a importância da aliança do socialismo com os trabalhadores americanos e sobre como a lei vigente na época era inimiga dos mesmos. Quando estava quase a acabar o seu discurso, a polícia chegou ao local.


A missão da polícia era simples: interromper os protestos. Enquanto os agentes caminhavam na direção dos trabalhadores, alguém no meio dos manifestantes lançou uma bomba na sua direção. Instaurou-se o caos e começaram a disparar-se tiros de todas as frentes. O resultado foram dezenas de mortes e feridos, dos dois lados.


Na sequência desta intervenção policial foram detidos oito manifestantes. Em Julho, foram levados a tribunal para serem julgados. A sentença de sete dos oito ativistas foi, nada mais nada menos, que a pena de morte por enforcamento. Ao oitavo ‘sortudo’, foi concedida uma pena de uns meros quinze anos de prisão. Até ao dia de hoje, a identidade da pessoa que lançou a bomba permanece desconhecida. Estes “vilões do anarquismo”, como os descrevia o New York Times na época, não foram condenados por lançar a bomba, mas por conspiração – na realidade, a maior parte destes nem sequer estava presentes na manifestação de dia 4 de março.


Dos sete homens condenados à morte, dois conseguiram o perdão. Um dos ativistas, Louis Lingg, suicidou-se na prisão. Os restantes quatro manifestantes, que se recusaram a pedir perdão ao Tribunal, ficaram conhecidos como os “mártires de Haymarket”. Os seus nomes eram Parsons, Spies, Engel e Fischer.


No dia 11 de Novembro de 1887, os quatro manifestantes foram enforcados. Enquanto eram levados para enfrentar a sua sentença, cantavam La Marseillaise, o hino do movimento revolucionário internacional na época.





Os eventos passados nas manifestações de Haymarket são relevantes porque lançaram as bases para o Dia Mundial do Trabalhador. Em 1889, a Internacional Socialista declarou que o 1º de Maio seria um feriado internacional, em comemoração das manifestação de Haymarket. Em 1894, o Presidente americano Grover Cleveland assinou uma lei que declarava o Dia do Trabalho neste mesmo dia.


Passados 134 anos, os efeitos das manifestações dos trabalhadores dos EUA ainda se sentem no nosso dia-a-dia. Não apenas pela celebração do Dia Mundial do Trabalhador, mas pela conquista de direitos para todos os trabalhadores. No entanto, não foi uma caminhada fácil – foi apenas em 1940 que o Congresso aprovou a Lei que garantia o dia de trabalho de 8 horas diárias.


Até à aprovação desta lei, era comum encontrar trabalhadores que trabalhavam 16 horas por dia com salários miseráveis. No livro Down and Out in Paris and London, George Orwell expõe na primeira pessoa a pobreza e miséria existente nas duas metrópoles, invisível aos olhos das classes média e alta. Numa parte da obra, o narrador descreve as suas condições enquanto trabalhador de um hotel em Paris, no qual chega a trabalhar dezasseis ou dezassete horas por dia, sete dias por semana. Orwell acrescenta que este horário não era nada fora do comum para os trabalhadores de Paris da época – ou se sujeitavam a trabalhar estas horas ou não tinham trabalho de todo. Os “direitos dos trabalhadores” eram algo utópico.


Se, por um lado, devemos agradecer aos manifestantes americanos e a todos os que lutaram para que hoje exista um limite máximo de 8 horas diárias e 48 horas semanais de trabalho, estabelecidos pela Organização Mundial de Trabalho, não nos devemos iludir quanto ao cumprimento destas orientações a um nível mundial, em especial nos países em desenvolvimento. O dia de trabalho de 8 horas diárias continua a ser utópico em vários países.


Neste contexto, surge também a crise da covid-19, que promete ter repercussões económicas equiparáveis à da Grande Depressão de 1929, o que põe em causa as condições dos trabalhadores. Os primeiros dilemas começam a surgir entre os governantes – os despedimentos em massa, os lay-offs e as férias ‘forçadas’ são alguns dos vários exemplos. Deve o Governo permitir que os patrões forcem os trabalhadores a marcar férias de forma a permitir a subsistência económica das empresas?


Numa época em que se assiste à proliferação do teletrabalho, devemos relembrar-nos que nem todas as profissões podem ser desempenhadas por este meio– e há uma ligação íntima entre profissões que são mal remuneradas e profissões incompatíveis com o teletrabalho.


O Dia Mundial do Trabalhador relembra-nos a importância dos direitos dos trabalhadores e do direito que estes têm de os reivindicar. Em paralelo, esta crise vem-nos mostrar que os direitos conquistados pelos trabalhadores nunca são suficientes. Entenda-se, as dificuldades sentidas pelos trabalhadores e as consequentes reivindicações vivem em constante mutação, adaptando-se à respetiva época histórica. Se em 1886 era necessário reivindicar um dia de trabalho de 8 horas, hoje o importante será garantir a proteção dos que acumulam a exposição a uma crise de saúde pública com uma situação laboral frágil.


Como dita La Marsellaise, ‘formez vos bataillons, marchons, marchons!’ (formais os vossos batalhões, marchai, marchai!) pelos direitos dos trabalhadores. Mas lembrem-se de o fazer com máscaras e luvas de proteção.

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