A menstruação é uma componente fundamental da saúde sexual e reprodutiva da mulher. No entanto, surge desde sempre associada a mitos e tabus que prejudicam as mulheres das mais variadas formas, desde a vida sociocultural à laboral.
de Inês Moreira
Continua a ser perpetuada uma linguagem recheada de eufemismos e metáforas como “o Benfica joga em casa” ou “aquela altura do mês” que direta ou indiretamente “impedem o desenvolvimento de soluções adequadas para garantir boas práticas de higiene menstrual, dando à questão uma baixa prioridade entre os decisores políticos” (Winkler et al).
Em todo o mundo, milhares de mulheres são afastadas do seu quotidiano à custa de estigmas perpetuados por várias gerações. Em algumas comunidades hindus, por exemplo, as mulheres devem ficar fora da casa principal, não entrar na cozinha, cozinhar ou comer comida não vegetariana durante esta fase do ciclo menstrual.
No entanto, não é preciso ir tão longe para encontrar condutas deste género: desafio-vos a perguntarem às vossas avós que tipo de educação receberam relativamente a práticas de higiene menstrual. Não seria surpreendente que uma grande parte assumisse que não recebeu educação alguma. Mesmo que se discutisse a menstruação entre os membros femininos da família, o que se comunicava na generalidade eram os próprios equívocos, fazendo com que mitos como "não poder tomar banho”, “não poder comer alimentos com vinagre" ou "não poder lavar o cabelo" perdurassem por várias gerações.
Estar consciente da menstruação na menarca - idade da 1ª menstruação – pressupõe que uma mulher sabe que o sangramento menstrual pode aparecer e representa o nível mais básico de conhecimento sobre a menstruação. Não indica que uma adolescente recebeu informações suficientes ou obteve uma educação mais ampla sobre saúde menstrual: apenas que possui um nível suficiente de conhecimento para entender a anatomia e processos biológicos sobre o ciclo menstrual de forma a realizar o respetivo autocuidado.
Em muitos sítios do globo, fatores como a desinformação e a falta de infraestruturas de saneamento básico fazem com que muitas alunas faltem às aulas ou usem produtos menstruais inadequados por longos períodos de tempo, aumentando o risco de infeções urogenitais.
Quando a desinformação e a escassez de infraestruturas não constituem um problema, entra em jogo a inacessibilidade monetária. Governos em todo o mundo taxam os produtos menstruais como “bens de luxo” e não como “necessidades diárias”.
A Irlanda foi o único país que, ao entrar na UE, não adotou uma tampon tax, apenas porque não possuía uma previamente. A Alemanha reclassificou os produtos menstruais como itens necessários e reduziu o imposto de 19% para 7% em 2019. Após anos de campanha e protesto de ativistas contra a taxa discriminatória sobre produtos menstruais, estes estão agora isentos de impostos no Reino Unido. Atualmente, em Portugal, os pensos e tampões já são taxados a 6% de IVA, tendo sido aprovada a 25 de maio no Parlamento uma proposta do Livre que estende esta taxa a todos os produtos de higiene menstrual.
As representações sociais em torno da menstruação
Stigma around menstruation and Menstrual Hygiene is a violation of several human rights, most importantly of the right to human dignity, but also the right to non-discrimination, equality, bodily integrity, health, privacy and the right to freedom from inhumane and degrading treatment from abuse and violence.
Dra. Jyoti Sanghera, gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (George, 2013, p. 5) e Roaf, 2015, p. 6).
Compromissos nacionais
Portugal assinou todos os compromissos internacionais no campo da saúde reprodutiva. Em reflexo, têm sido implementadas várias medidas para reforçar os direitos sexuais e reprodutivos. São exemplos disso mesmo a educação sexual em meio escolar e a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania.
A educação sexual em meio escolar, em particular, tem se mostrado uma das formas mais eficientes de disseminação destes direitos entre os jovens. No entanto, existe ainda um longo caminho a percorrer. Segundo a 2ª edição do estudo “Jovens e educação sexual: conhecimentos, fontes e recursos”, apresentado no mês passado na U. Lisboa, apesar dos conhecimentos dos jovens sobre a sexualidade e sentimentos serem “bons” ou “muito bons”, o conhecimento de contracetivos e infeções sexualmente transmissíveis não se revelou tão positivo: metade mostrou ter um nível de conhecimento “médio” e o mesmo era “mau” em quase um terço dos participantes.
Outra lacuna prende-se precisamente com o ensino da menstruação. Segundo os moldes atuais, amenstruação é apresentada a partir do 2º ciclo, sendo a sua abordagem meramente biológica: “Compreensão do ciclo menstrual e ovulatório”. Esta designação mantém-se até ao secundário, onde é alterada para “compreensão e determinação do ciclo menstrual em geral, com particular atenção à identificação, quando possível do ciclo ovulatório, em função das características dos ciclos menstruais”. A justificação do aprofundamento deste tópico é o facto de existirem “alunos que, nesta fase de estudos, poderão eventualmente já ter iniciado a vida sexual ativa.” Embora esta alteração seja compreensível, mantém-se fundamentalmente biológica. As questões sociais e psicológicas continuam a ser negligenciadas.
Entramos então no tópico que me levou a querer escrever esta crónica: dores menstruais, mais conhecidas como “dismenorreia” no mundo médico. Quando a licença menstrual é trazida para o centro do debate, assistimos a um conjunto de reações que vão desde risinhos no Parlamento a crónicas de desdém escritas por mulheres, atitudes que refletem o descrédito conferido à saúde menstrual que, a meu ver, refletem diretamente a carência de educação sexual e reprodutiva, em especial a que comporta a saúde menstrual.
Mas o que é, então, a saúde menstrual?
Segundo a Terminology Action Group, Saúde Menstrual define-se como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença em relação ao ciclo menstrual”.
Esta definição vai ao encontro da definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e é complementada por uma descrição dos requisitos para alcançar a saúde menstrual ao longo da vida. Conforme descrito na definição, alcançar a saúde menstrual requer acesso a informações sobre o ciclo menstrual e autocuidado, materiais, instalações e serviços de água e saneamento para cuidar do corpo durante a menstruação, acesso a diagnóstico oportuno, cuidados e tratamento para desconfortos menstruais e desordens, um ambiente positivo livre de estigmas e a liberdade de participar em todas as esferas da vida ao longo do ciclo menstrual.
A definição também enfatiza que, embora a maioria das pessoas com ciclos menstruais sejam mulheres e meninas, a saúde menstrual é essencial para todas as que experimentam um ciclo menstrual, independentemente da identidade de género ou do contexto em que vivem.
Dados científicos em Portugal
A gestão da higiene menstrual é um meio para atingir a plenitude dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, porém, poucos são os dados científicos em Portugal sobre o tema. Os poucos estudos que surgem abordam apenas a parte biológica, como é o caso do estudo realizado pelo Instituto de Saúde Pública da U. Porto, publicado em 2020, que concluiu que a idade mediana da primeira menstruação passou dos 13 para os 12 anos.
Questões como: Quantas mulheres estão informadas no momento da primeira menstruação? Quando é que a mentalidade mudou? Porque é que mudou? De que forma se relaciona com a educação sexual lecionada nas escolas? Como evoluiu a mudança de paradigma, em termos geográficos, em Portugal? Que discrepâncias existem entre diferentes populações? Qual o impacto da pobreza menstrual em Portugal? Continuam por responder.
Discutir a saúde menstrual é premente em Portugal, não só pela escassez de dados, como pelo longo percurso educacional a percorrer. Felizmente, surgem-nos notícias animadoras.
O governo aceitou uma proposta do Livre que propõe a realização de um estudo sobre o impacto da menstruação no trabalho. A discussão está a acontecer, a comunidade científica está a mobilizar-se e o progresso está cada vez mais perto.
Quebrar tabus, implementar campanhas de consciencialização, melhorar o currículo de educação sexual, assegurar que existem infraestruturas sanitárias adequadas de forma a acabar com a pobreza menstrual são algumas das medidas que ajudarão a ir ao encontro desse mesmo progresso.
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