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Vinte mil léguas de cabos submarinos

Nos últimos 150 anos, a tecnologia avançou de tal forma que hoje não compreendemos como se manufaturam ou funcionam a maioria dos objetos que usamos no nosso quotidiano. As telecomunicações ganharam um lugar especial no nosso dia-a-dia e as suas tecnologias desenvolvem-se a olhos vistos: aparelhos cada vez mais rápidos, menores e com menos fios.

de Maria Leonor Carapuço


O Secretário de Estado da Internacionalização, Bernardo Ivo Cruz, com uma amostra do cabo submarino EllaLink



Olhando para um smartphone que cabe no nosso bolso de trás, é muito curioso pensar que, para que funcione, existem quilómetros e quilómetros de cabos submarinos que conectam países e continentes, transmitindo quase à velocidade da luz a informação que chega aos nossos ecrãs.



Os cabos submarinos são conexões submersas nos oceanos entre estações terrestres de rede, usadas para transmitir sinais de telecomunicações. Sem estas, a internet como a conhecemos não seria possível. A estrutura basilar da internet é esta rede de quase cem mil quilómetros de cabos de fibra ótica submarinos, encarregues de transportar 95% das comunicações globais (as restantes viajam por satélite). Num único dia, esta rede processa cerca de cem milhões de dólares em transferências através do sistema SWIFT.



Estes cabos existem debaixo do mar desde 1850, aproximadamente vinte anos após a invenção do telégrafo. Têm uma esperança média de vida de 25 anos e costumam ser propriedade de consórcios de operadoras de telecomunicações. Nas últimas décadas, gigantes tecnológicos como a Google, o Facebook (Meta), a Microsoft e a Amazon têm investido nestes cabos submarinos.



O caso paradigmático português é o do cabo EllaLink, ativo desde junho de 2021, que liga Sines (Portugal) a Fortaleza (Brasil), com pontos de conexão em Madrid, Lisboa, Marselha, Barcelona, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. O cabo, com seis mil quilómetros de extensão, é o primeiro de alta capacidade a ligar diretamente o Brasil à Europa (conexão antes feita pelos Estados Unidos).


A aposta está claramente em Sines (e no Sines Tech – Innovation & Data Center Hub) para tornar Portugal um porto da hiperconectividade. Em janeiro deste ano, anunciaram-se quatro novos cabos submarinos em Portugal até 2025: o Equiano da Google, o 2Africa do Facebook e o Medusa da AFR-IX. Cria-se assim o potencial para se receber grandes centros de dados nesta zona, onde se juntam todas as condições necessárias: rede elétrica de alta e muito alta tensão; fornecimento de energias renováveis; disponibilidade de água (para arrefecimento); conectividade do porto de águas profundas (para a amarração de cabos de dados vindos de qualquer parte do mundo); interligações terrestres de telecomunicações; localização geográfica favorável e também segurança.



O cabo Equiano, da Google, chegou em maio a Portugal e permite ligar o país à África do Sul, com ligações intermédias no Gana, Nigéria, Namíbia e Rupert’s Bay, em Santa Helena. Na cerimónia de celebração da chegada do cabo de fibra ótica, António Costa não se poupou no entusiasmo. Segundo o Observador, declarou que “esta revolução industrial é a primeira para a qual Portugal não parte em desvantagem”. Na linha do posicionamento normal geostratégico português (“somos o cantinho da Europa mas o centro do Atlântico”), Costa salientou que o país é “o ponto de ligação do continente Americano, Africano e Europeu” nas “novas autoestradas do século XXI: a ligação submarina”. Para o primeiro-ministro, os dados são o novo petróleo e Portugal é um atrativo por ter a “energia solar mais barata do mundo”.



Os cabos submarinos são uma parte fundamental do plano da Europa para obter mais controlo sobre o tráfego global de internet. A China tem feito desenvolvimentos no âmbito desta tecnologia, através da empresa HMN Tech, que está a criar uma conexão submarina que liga a Europa (via França) a África, sul da Ásia e também à China.


Em março de 2021, 25 países da UE, conjuntamente com a Islândia e a Noruega, assinaram uma declaração conjunta com o objetivo de declarar os cabos submarinos como infraestrutura crítica – chamando a atenção para a necessidade de uma maior defesa cibernética. Os países também se comprometeram a mapear onde e como entram e saem os dados da Europa através de cabos submarinos, bem como a identificar os sistemas que precisam de substituição e estabelecendo um plano para lidar com os riscos de segurança.



Há uma longa história de sabotagem de cabos entre países hostis. A Grã-Bretanha cortou cinco cabos alemães durante a Primeira Guerra Mundial e, na Guerra Fria, os EUA colocaram escutas em cabos submarinos soviéticos. Mais recentemente, aquando a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, uma das suas primeiras ações no território foi cortar a conexão da região por cabos submarinos. Os cabos são geralmente de consórcios de empresas de internet e telecomunicações, sem muita supervisão do governo, sendo as suas localizações publicamente conhecidas tornando-os vulneráveis a ataques.



Na própria instalação dos cabos submarinos, a sua natureza transnacional pode trazer à superfície atritos entre Estados. Muitos cabos propostos entre os Estados Unidos e a China foram repensados ou mesmo cancelados, como foi o caso no início de 2021, do cabo Hong Kong Americas (HKA). Este cabo, que ligaria Hong Kong aos Estados Unidos, liderado pelo Facebook, foi anunciado pela primeira vez em 2018, resultado de um consórcio com a Tata Communications, Telstra, a estatal chinesa China Unicom e a China Telecom Global Limited. O Facebook não avançou com o cabo por "preocupações contínuas do governo dos EUA" sobre a ligação de comunicação direta entre os dois países.



Num mundo crescentemente complexo, as logísticas transnacionais também não tendem a ser menos simples. Mais tecnologia e hiperconectividade também são sinónimos de mais dores de cabeça para a diplomacia e as relações internacionais. Até certo ponto, não sei se não tenho saudades das cartas.




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